Vitória SC. 100 anos de história. Participação nas competições europeias
Vergado a todas as contrariedades, o Vitória viu cair por terra todas as ilusões que tinha em ir o mais além possível na edição de 1969/70 da Taça das Cidades com Feiras.

Até então, os jogos disputados entre equipas de países distintos realizavam-se, fundamentalmente, sob a alçada das instâncias federativas nacionais que, entre si, constituíam várias competições internacionais de clubes. Em alternativa a estas provas eram frequentes a realização das denominadas digressões, as quais consistiam, simplesmente, em viagens que os clubes faziam para outros continentes, além do europeu, para defrontarem em jogos ou torneios amigáveis clubes locais ou de outros continentes.
O Vitória, como outros clubes portugueses, participou, também, nessas denominadas digressões, entre as quais se destacaram, pela relevância e prestigio que naquela época se atribuía a tais acontecimentos, as viagens a África, aos Estados Unidos da América (E.U.A.) e à Venezuela.

A primeira ocorreu em 1959 quando o Vitória se deslocou pela primeira vez na sua história ao continente africano para aí disputar alguns jogos amigáveis com clubes daquela região e para os quais tinha sido convidado por vimaranenses radicados em África.
À excepção de um empate com uma equipa da África do Sul, o Vitória venceu todas as partidas realizadas, o que despoletou enormes elogios, pois nem mesmo os principais clubes portugueses, ou a própria Selecção Nacional, tinham conseguido alcançar feitos tão relevantes nas suas digressões.
O êxito do Vitória naquela viagem e a quantidade de troféus conquistados foram, devidamente, vangloriados por todos os vimaranenses, que em Agosto de 1959, no momento do regresso da equipa, receberam em apoteose, e com toda a pompa e circunstância, a comitiva vimaranense, acompanhando-os, em júbilo e cortejo guiado, desde a estação de caminhos-de-ferro de Lordelo até ao centro da cidade Guimarães.
Já em 1964 o Vitória viajou para E.U.A. para aí disputar várias partidas de carácter amigável. Nessa digressão, onde, mais uma vez, conquistou vários troféus, destacando-se, especialmente, o triunfo sobre o AEK de Atenas, da Grécia, por 1-0 e, ainda, um empate a 0-0 com o todo poderoso Estrela Vermelha de Belgrado, da então Jugoslávia.
Em 1966 o Vitória foi à Venezuela disputar a intitulada Taça do Mundo, defrontando, naquela prova, a equipa italiana da Lázio de Roma, que os vimaranenses venceram, por 3-1, e o Valência, de Espanha, que terminou com um triunfo dos espanhóis por 0-3.

A partir daí o Vitória começou a participar nas competições oficiais organizadas pela U.E.F.A., primeiramente, na Taça das Cidades com Feiras, percussora da extinta Taça U.E.F.A. e actual Liga Europa, prova, esta, em que o clube vimaranense registou várias presenças, na Taças dos Vencedores das Taças, e, nos formatos mais recentes, na já referida Liga Europa e numa pré-eliminatória da Liga dos Campeões.
Assim, impõe-se registar, aqui, aquela que constituiu a primeira participação do Vitória numa competição oficial europeia e, para isso, temos que remontar à época de 1969/70, quando, após o 3.º lugar na classificação geral do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão da temporada anterior, os vimaranenses garantiram o acesso a disputar a denominada Taça das Cidades com Feiras.
O primeiro adversário do Vitória foi a equipa do Banik Ostrava, uma das melhores equipas de futebol da, então, Checoslováquia.
A 1.ª mão, da 1.ª eliminatória, realizou-se na cidade de Guimarães, no dia 10 de setembro de 1969, em jogo aprazado para as 17:45 horas.

Ainda, chegou a ser conjecturado pelos responsáveis do Vitória que o jogo se realizasse a um Domingo à tarde ou num dia em que fosse feriado, todavia, esta ideia, não foi possível concretizar e o desafio teve mesmo que ser realizado a meio da semana.
Por outro lado, como o Estádio Municipal de Guimarães não estava dotado de iluminação artificial ainda foi pensado na possibilidade de que o jogo fosse realizado na cidade do Porto, uma solução, economicamente, mais viável, mas que implicaria um enorme sacrifício aos adeptos do Vitória.
A verdade é que a participação nesta competição europeia importava para os cofres do clube um custo assinalável que rondaria os 220.000 escudos, não só com a organização do jogo, mas essencialmente, com a viagem da equipa à longínqua Checoslováquia.
Para o dia do jogo os comerciantes e a industriais do concelho responderam afirmativamente à solicitação do Vitória, concedendo tolerância de ponto aos seus trabalhadores, permitindo, assim, que todos os interessados pudessem assistir ao encontro.
A partida foi arbitrada pelo árbitro espanhol Adolfo Bueno e a equipa do Vitória, treinada por Fernando Caiado, apresentou o seguinte onze inicial: Roldão; Costeado, Joaquim Jorge, Manuel Pinto e Silva; Peres, Artur e Augusto; Zezinho, Carlos Manuel e Manuel. Pelo Vitoria alinhou, ainda, o avançado Mendes que substituiu, no decorrer da partida, o avançado Manuel.
Desde o apito inicial que o Vitoria se lançou, desenfreadamente, no ataque, tentando solucionar a eliminatória, ainda, em Guimarães. Essa entrada em campo e a forma como a equipa abordou o jogo valeu-lhe, logo aos 10 minutos da partida, um golo apontado por Carlos Manuel, nome que assim ficará ligado à história do clube como o jogador que marcou o primeiro golo do Vitória competições europeias.

Ao longo de toda a partida o Vitoria apresentou um sentido colectivo muito próprio, sempre sob a batuta do maestro Peres no meio-campo, ganhando em todas as vertentes o jogo ao adversário.
Segundo as crónicas, ao longo da primeira meia hora de jogo, o Vitória terá sido mesmo demolidor, jogando de forma rápida e desconcertante, cortando, verdadeiramente, a respiração à equipa da então Checoslováquia, dispondo de várias e flagrantes oportunidades de golo.
Após essa primeira meia hora o Vitória perdeu algum fulgor, essencialmente, fruto da ausência do melhor preparo físico tão próprio do início da época. A partir daí, também devido ao estado do terreno, que se foi degradando com a chuva, passou a prevalecer a força em detrimento da técnica, altura em que a equipa do Banik Ostrava passou a ter algum ascendente sobre o Vitória.

O Vitória assumiu, então, um futebol de máxima contenção, lutando, afincadamente, pelo resultado de 1-0 que, assim, lhe dava boas perspectivas para o jogo da 2.ª mão que se realizaria na Checoslováquia.
A partida da 2.ª mão, da 1.ª eliminatória, da Taça das Cidades com Feiras, disputada no dia 2 de outubro de 1969, foi realizada no Estádio Bazaly, na cidade de Ostrava. Este jogo ficou marcado, sobretudo, pela eficiência defensiva do Vitória e, especialmente, pela exibição extraordinária do já veterano guarda-redes Roldão.
Neste jogo, sob a arbitragem do romeno Barulescu, o Vitória apresentou-se com a seguinte equipa: Roldão; Costeado, Manuel Pinto, Joaquim Jorge e Silva; Artur, Peres e Bilreiro; Manuel, Mendes e Carlos Manuel.
Quanto ao jogo em si, rezam as crónicas que o Banik Ostrava dominou a maior parte da partida de modo a virar o rumo da eliminatória a seu favor, pressionando, fortemente, a equipa do Vitória. Porém, de forma brava e galharda, o Vitória não vacilou, aguentando, com maior ou menor dificuldade, a expressão ofensiva que o adversário impunha, mantendo, enquanto foi possível, as redes da sua baliza invioladas.
Certo é que, apesar do maior ascendente do Banik Ostrava, o Vitória nunca perdeu o ensejo de causar alguns calafrios no último reduto do adversário, através de bem gizados contra-ataques.
A equipa da Checoslováquia, ainda, acreditou na possibilidade de dar a volta ao seu destino, quando, aos 70 minutos de jogo, o avançado Cuzik, marcou o primeiro golo do desafio. Todavia, apenas 7 minutos depois, o médio vitoriano Artur restabeleceu a igualdade no marcador, garantindo, assim, o resultado final de 1-1, que permitiu ao Vitória ultrapassar a equipa checoslovaca e, assim, prosseguir em prova na competição, feito sempre assinalável para um clube estreante.

Na 2.ª eliminatória da competição o Vitória defrontou os ingleses do Southampton, os populares Sants, um dos mais antigos clubes do futebol inglês, fundado no ano de 1885.
O primeiro jogo disputou-se no dia 4 de Novembro de 1969, no Estádio Municipal de Guimarães, em jogo arbitrado pelo suíço Ponz Kamber, tendo a equipa do Vitória apresentado a seguinte formação inicial: Rodrigues; Bernardo da Velha, Manuel Pinto, Joaquim Jorge e Costeado; Artur, Peres e Bilreiro; Manuel, Mendes e Carlos Manuel. No decorrer da partida, jogou, ainda, o brasileiro Ademir que entrou a substituir Carlos Manuel.
O encontro terminou empatado a 3-3 e ficou marcado, essencialmente, pela gritante falta de sorte do conjunto vitoriano, que naquela partida marcou somente três golos, quando dispôs de ocasiões suficientes para marcar muitos mais, enquanto a formação inglesa foi bem mais eficaz, aproveitando, quase, todas as oportunidades de golo de que dispôs.
Os golos obtidos pelos ingleses do Southampton tiveram o condão de serem conseguidos em momentos cruciais da partida, provenientes da falta de fortuna do Vitoria, é certo, mas, também, a bem da verdade, fruto de alguns erros defensivos.
O Vitória entrou muito bem na partida, com uma toada atacante, bem demonstrativa de ter capacidade suficiente para ombrear com qualquer adversário que lhe surgisse à ilharga. A forma como o Vitória iniciou o desafio valeu-lhe, logo, um golo à passagem dos 11 minutos de jogo, apontado por Mendes, na execução de um magnífico remate.

Todavia, na jogada, imediatamente, seguinte, o Southampton chegou à igualdade, resultado que não se alterou até ao intervalo, não obstante o Vitória ter disposto de claras oportunidades para adiantar-se, novamente, no marcador.
Após o intervalo, o Vitória continuou a evidenciar-se, manifestamente, superior ao adversário, até que ao minuto 57 obteve um golo que já tanto justificava, novamente, por intermédio de Mendes.
Logo depois, adiantado no marcador, o Vitória teve, nos pés de Artur, isolado e apenas frente ao guarda-redes adversário, a oportunidade de avolumar a vantagem. Oportunidade falhada e contra a corrente do jogo, na jogada seguinte os ingleses conseguem obter outro tento e igualar, novamente, a partida em 2-2.
Esta sucessão de ocorrências provocou algum desnorte organizativo na equipa do Vitória que, praticamente, em seguida, sofreu o 3.º golo, na consumação de uma jogada de puro contra-ataque.

Em desvantagem, o Vitória tudo fez para, pelo menos, conseguir a igualdade. Já sem a frescura física evidenciada na maior parte da partida e visivelmente perturbada na vertente psicológica, a equipa vimaranense teve o mérito de nunca deixar de lutar. E, por isso, viria a conseguir esse desiderato por intermédio de Manuel Pinto, que converteu com êxito uma grande penalidade.
Obviamente, que o resultado final de 3-3 no jogo da 1.ª mão desta eliminatória não acalentava boas perspectivas para o Vitória, pois necessitava vencer no terreno adversário ou, pelo menos, empatar com mais de três golos, o que obviamente não se anunciava nada fácil.
No The Dell, a popular designação do Estádio do Southampton, em jogo disputado no dia 12 de Novembro de 1969, sob a arbitragem do árbitro francês Franciel, o Vitória deparou-se com muitas dificuldades frente ao seu adversário, reconhecidamente, uma equipa difícil, com um público entusiasta e num terreno de jogo pesadíssimo, em virtude do valente temporal que se abateu sobre a cidade inglesa durante todo o encontro, factores que, naturalmente, favoreciam o futebol directo e mais musculado dos ingleses, em contraste com o estilo de jogo mais técnico e apoiado que era apanágio da equipa do Vitória.
Neste jogo, o Vitória alinhou com a seguinte formação: Rodrigues; Bernardo da Velha, Manuel Pinto, Joaquim Jorge e Costeado; Artur, Peres e Bilreiro; Manuel, Mendes e Ademir. No decurso do encontro o capitão Peres cedeu o seu lugar a Augusto.

Quanto ao jogo, dita a história que durante a primeira parte o Vitória conseguiu aguentar as investidas do adversário e, até, dar um ar da sua graça. A verdade é que, enquanto o relvado deixou, o Vitória controlou bem a partida, abstraiu-se do público e dispôs mesmo de boas oportunidades de golo.
Ainda antes do intervalo, todavia, em mais um golpe de sorte, no seguimento, aliás, da tendência que vinha já do jogo da 1.ª mão, o Southampton adiantou-se no marcador através de um autogolo cometido pelo vimaranense Costeado.
O ânimo da equipa do Vitória, compreensivelmente, cedeu e na segunda metade o poderio dos ingleses dizimou toda a organização da equipa vitoriana, de modo que, entre o minuto 53 e 55, através de mortíferos e rápidos ataques, bem finalizados pelo cotado avançado Ron Davies, o Southampton colocou-se a vencer por 3-0.
Vergado a todas as contrariedades, o Vitória viu cair por terra todas as ilusões que tinha em ir o mais além possível na edição de 1969/70 da Taça das Cidades com Feiras. O Vitória ainda marcou um tento de honra, por Ademir, mas Gabriel e Channon, com um golo cada, selariam o resultado final no encontro da 2.ª mão, da 2.ª eliminatória, em 5-1.
