Uma vez histórica para sempre na história!
Recuso-me a aceitar que exista um ciclismo de mulheres! Sei que o ciclismo tem ciclistas e que os ciclistas são pessoas e que as pessoas são diferentes!

Às vezes fico perdida nas analogias, entre simbologias e metáforas. Virou-se uma página? Iniciou-se um novo capítulo? Começou a escrever-se um livro? O que eu sei é que de 2 a 5 de setembro de 2021 viveu-se um período novo da história do país.
O desporto é cultura, é elo de ligação entre grupos da sociedade, é espelho das liberdades, direitos e deveres cívicos.
Quando se organiza uma 1ª Volta a Portugal Feminina, organiza-se muito mais do que um evento desportivo: trata-se quer de responder a uma lacuna na operacionalização dos valores da equidade e da ética quer de colocar a comunidade unida na diversidade para atingir um bem maior – o da justiça.
A Volta a Portugal Feminina não é uma Volta das Mulheres nem uma Volta Cor de Rosa: é uma Volta sem género, sem cor, mas com um princípio de cooperação e espírito de todos em prol das atletas.
Neste sentido, quando analisamos a lista de participantes, concluímos que das 14 equipas a que pertencem as 85 ciclistas em prova apenas 2 têm “uma Diretora Desportiva”. Claro que isto também reflete o que se passa no mundo empresarial ou político, por exemplo, no que aos cargos de “topo / liderança” respeita e que também espelha o “bebé” que é o ciclismo feminino luso. Mas, filantropa otimista que sou, acredito que este “colocar-se ao serviço das ciclistas” é, de facto, um ato altruísta pela conquista de um território que ainda não está seguro – têm as mulheres a energia e melhor ficam com a força masculina instituída (e está tudo bem por um futuro melhor).
Podemos seguir e abrir o livro de prova: das 9 entidades apresentadas, 7 são masculinas (5 são presidentes de câmara e desses 2 são mulheres; 1 secretário de Estado da Juventude e do Desporto e o Presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo). Podemos repetir as elações do parágrafo anterior e refletir sobre a pertinência de que o Ciclismo Feminino seja representado por uma figura feminil (ou não).
Eu que estou como ciclista testemunho uma atitude muito dedicada destes homens às nossas vontades, sonhos e condições. Eu que estou como ciclista encontro nas equipas coordenadores, assistentes, mecânicos, massagistas, staff para os abastecimentos que dão o seu melhor e fazem o melhor que sabem nas condições possíveis – as quais têm de ser aperfeiçoadas. Ora, esta questão do “saber fazer” é pertinente! “Eles”, por natureza, são bons e disponíveis; porém, e generalizando, há particularidades, especificidades e questões de linguagem, comportamento e cultura de género que se lhes escapam no trato “inato”. Contudo, o mesmo se pode passar com a comunicação entre as próprias mulheres quando não há uma atenção às exigências, às propriedades, aos perfis das ciclistas. Por isso, a Formação nesta(s) área(s) para desempenhar estas funções com eficiência é, a meu ver, urgente nos planos da Federação.
Nesta linha, retomando o livro de prova (pág. 26), na “Organização e Cargos Oficiais” encontramos uma série de nomes do género masculino bastante superior à do feminino, desde o elemento mais mediático até ao pessoal preferentemente incógnito envolvido na caravana. Ou seja, já não podemos aplicar aqui os dados estatísticos relativos à hegemonia masculina nos cargos de chefia, mas constatar a necessária intervenção e cooperação entre cidadãos, amantes do desporto, entusiastas do progresso que escolheram o ciclismo (feminino) para aplicar as suas competências! Todavia, recupero: “O ciclismo não é cor de rosa” e o “Ciclismo no Feminino tem especificidades de conduta”! Importa, por exemplo, perceber como a lente observadora de um fotógrafo informa sobre o ser, estar, ter e fazer das ciclistas; importa, por exemplo, que os motards estudem como se movimentam e como (re)agem as ciclistas; importa, por exemplo, que o elemento mais anónimo responsável por manter a bolha sanitária saiba dirigir-se, saiba compreender o estado (emocional) da ciclista, saiba com respeito orientá-la.
Recuso-me a aceitar que exista um ciclismo de mulheres! Sei que o ciclismo tem ciclistas e que os ciclistas são pessoas e que as pessoas são diferentes!
Viver o ciclismo é ter a oportunidade de experimentar os valores que queremos que guiem as gerações futuras para a construção de uma sociedade empoderada que potencializa a diversidade!