Sobre rodas a leste da liberdade
É bem possível que algumas daquelas pessoas "eternamente" presas no trânsito se possam ressentir de um ciclista que as ultrapassa, que as adianta e passa pelo trânsito mais rápido.

Há semanas... São fases... Alturas em que, num efeito de replicação em série, proliferam pelas redes sociais publicações a propósito de uma qualquer notícia sobre o Código da Estrada (quantas vezes até já de anos passados), a construção de ciclovias, zonas verdes ou de redução do trânsito automóvel. Os comentários que as seguem levam os leitores a pensar que “parece que o mundo inteiro se uniu para me tramar”.
Antes de mais, não venho aqui dizer que não possa haver razões que levem os automobilistas a “odiar” os utilizadores da bicicleta na estrada - algumas justificados legal e / ou eticamente, mas, provavelmente, a maioria não. É uma questão de atualização da (in)formação.
Há direito à liberdade de expressão numa democracia, mas não ao discurso de 'ódio'. Porém, o que me continua a surpreender é como, na era das TIC e dos Media, há tantas pessoas completamente desinformadas? Confusas? Confundidas? A expressão de meia dúzia de linhas incendiárias sem sustentação factual é só isso: propagação do terror e do medo! Um desrespeito pela vida humana! Lá porque recolhem uns quantos likes e frases com mais do mesmo não runem validação!
Manifestações contra a vida dos velomobilizados não podem sustentar-se numa opinião sobre o que cada um acha. Aliás, um país que ignore as regras, os códigos, a cidadania tarde ou nunca será livre.
De certa forma é como se quando um se coloca ao comando do motorizado passasse de agressor a vítima – a mesma pessoa! De repente, uma conspiração!
Eu percebo! A sério que percebo! É bem possível que algumas daquelas pessoas "eternamente" presas no trânsito se possam ressentir de um ciclista que as ultrapassa, que as adianta e passa pelo trânsito mais rápido. Eu tenho empatia suficiente para entender que, a princípio, sintam que lhes roubaram um pedaço de estrada para as bicicletas circularem em direito de segurança numa faixa a tinta demarcada ou numa pequena via paralela. E não! Nem sempre o utilizador da bicicleta vai em lazer (o que também pode parecer uma afronta a quem tem que bulir): há muitos que vão na bicicleta para o trabalho, há muitos que estão mesmo no exercício das suas funções profissionais quando conduzem a bicicleta e há ainda os atletas que - porque nem tudo é bola e se faz dentro de quatro cantos – têm nas vias públicas o seu local de treino!
Eu suponho, então, que a bicicleta ainda não faça bem à saúde! É um stress partilhar a via! A bicicleta mata – bem, não a bicicleta, mas os acidentes causados por negligência - quantos vidas teriam sido poupadas se houvesse afetividade? Claro que os estudos demonstram os benefícios do ciclismo para a saúde (física e mental) – uma razão mais para o ressentimento de alguns ciclofóbicos?!
A bicicleta não deveria ser facultativa. Como quem aprende a escrever e a ler, como quem aprende as matemáticas para gerir o orçamento familiar, o ensino da condução da bicicleta deveria ser obrigatório. Já passei por imensas experiências, desde a formação superior à militar, e não consigo pensar em nenhum outro exercício que convoque e desenvolva tantas competências – grande parte delas das agora na berra “soft skills”. A empatia, a paciência, a antecipação, a adaptação, a relativização, o respeito. A lista continua. Experimente! A liberdade... – ou, pelo menos, aprender a conquistar e defendê-la.
A liberdade não é um manifesto de egos. A liberdade nas estradas e outras vias obedece às regras de circulação de todo os tipos de veículos estabelecidas no código da estrada. Cabe-nos a nós, cidadãos, ao volante ou no guiador, aplicar aquele documento legal! Hoje! Porque não podemos continuar a leste da liberdade!