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“Representamos o bairro onde crescemos”. Uma bola aproxima gente em Gondar (1)

Dois dias por semana, jovens adultos juntam-se num pavilhão para treinar. Integram um “projeto experimental” de futebol inclusivo. O Projeto Alquimia quer resolver problemas sociais de forma inovadora

04 junho 2022 > 18:00

“Nós estamos aqui para mostrar que há coisas boas no bairro, que podemos viver num e mesmo fazermos coisas destas”. João Silva é capitão de uma equipa que até há bem pouco tempo não existia – e fazia falta. A partir das 22h00 de terça e quinta-feira não há estranhos na quadra do pavilhão da EB 2,3 de Pevidém. Ali, treina a Associação Desportiva de Gondar, que é mais do que uma equipa de futsal. O treinador tem 22 anos e gere um balneário com “14 ou 15 feitios diferentes” e jogadores mais velhos. “Queríamos muito isto, estávamos à espera há muito tempo”, explica Marco Silva. “No fundo, estamos a representar o bairro onde crescemos, a mostrar que em Gondar não é só arruaceiros”. O jovem técnico – que também joga – é uma das caras da iniciativa de Futebol Inclusivo, incluído no Projeto Alquimia.

Daniel Pacheco é treinador de futebol, coordenou a formação de vários clubes e percebeu cedo que uma bola pode ser um agente de mudança. “Trabalho com associações e lembrei-me de construir um projeto para futebol. Apresentei-o à Fraterna, que o apresentou à Câmara Municipal de Guimarães – e o município inseriu-o no Projeto Alquimia”, explica o também treina- dor da equipa de futebol feminino do Valadares Gaia. E que projeto é esse? Executado pela Sol do Ave e pela Fraterna, opera em sete bairros da cidade. “Tem como objetivo resolver problemas sociais de forma inovadora”, sintetiza Daniel. “Quase um projeto experimental”, abrange música, teatro, arte urbana ou oficinas criativas.

O Bairro da Emboladoura já tinha um equipa de futebol de rua que participava “apenas num torneio por ano”, lê-se na memória descritiva do Projeto Alquimia. Agora, participa em campeonatos federados. Sentiu-se a “vontade e desejo daqueles jovens em criar uma equipa” mais ativa, sob a orientação de um treinador que “lhes propicie treinos regulares garantindo a ocupação dos seus tempos livres”.

Marco Silva foi o escolhido para orientar a formação de futsal. Conhece bem o trabalho da Fraterna – “Está na minha vida há 12 anos, faz muito pelos jovens de Gondar e Guimarães”, pontua. “Sempre joguei à bola. Desde pequenino. Quando era mais novo apareceu o projeto de futebol de rua da Fraterna. Mais tarde aparece este projeto, aparece o Daniel. E o convite surge aí: o de treinar uma equipa de futsal”.

As “desforras” deram a uma comunidade uma “escolinha”

A importância dos resultados é secundária. Há, porém, a intenção de fixar em Gondar uma “equipa de futsal”. Isto porque, para levar para o terreno o Projeto Alquimia, a Fraterna procurou “ganchos”, associações que conhecessem o dia-a-dia das pessoas que quer ajudar. “Temos de deixar as raízes, as sementes, para depois o projeto ter continuidade”, reitera Daniel Pacheco. Foi assim que chegaram à PAJEG – Pais e Amigos Jogadores da Escola de Gondar.

A associação vai a caminho dos cinco anos. É fruto da necessidade que Profírio Fontão foi apreendendo nos metros quadrados de Gondar. Observou, maturou e decidiu agir. Criou uma escola de futebol com carácter social. “O fim essencial da escolinha é desviar os miúdos da marginalidade e criminalidade”, explica o presidente vestido a rigor, com um colete a identificar o nome e o cargo; nas costas, em
letras garrafais: PAJEG – Associação Desportiva de Gondar.

O trabalho de Profírio Fontão fez com que a PAJEG crescesse e junta já dezenas de crianças. E tudo isto só foi possível porque, em 2017, alguém pediu uma “desforra”. Profírio explica os primórdios da associação: “Juntei os pais da escola para fazer um jogo; os pais dos alunos do ciclo contra os pais dos do jardim de infância. Ganhou o jardim de infância. Acabava aí. Só que depois os pais do ciclo quiseram a desforra e ganharam eles. Se nós ganhássemos não havia PAJEG, como ficou empatado começamos a jogar todos os meses”.

Para além da necessidade de dar algo mais a Gondar – Profírio sublinha que há apenas um rinque para jogar futebol (pelo menos durante o verão, no inverno “fica tudo encharcado”) – a PAJEG e o Projeto Alquimia querem afastar perceções negativas que tantas vezes assolam a comunidade. Profírio Fontão recorda uma situação que diz ser “exemplar” do que paira em muitas latitudes do concelho. “Gondar é o bairro, e vice-versa, para muita gente. Cheguei a ir a sítios em busca de patrocinadores, em que me diziam: ‘Essa carrinha é de Gondar? É para transportar droga?’. Estão a brincar, mas dizem”. São essas perceções que vão sendo combatidas dentro de campo.

A ideia”, frisa Daniel Pacheco, “é ter uma impacto real na vida das pessoas”. “Felizmente quase todos já estão em situações estáveis, com trabalho, com famílias. Mas também aí podemos acrescentar ferramentas para eles usarem em casa e nos sítios onde interagem socialmente. E noto diferenças muito grandes neles enquanto pessoas”. Em qualquer jogo oficial, a primeira conversa de Daniel é com a equipa de arbitragem. Explica logo que a equipa é resultado de um projeto de intervenção social, e que qualquer comportamento inadequado deve ser transmitido no final do jogo. “Houve claramente progressos. A equipa no inicio atribuía muita da responsabilidade dos resultados a questões externas e nós fomos trabalhando isso”, completa.

Uma freguesia a abraçar uma equipa

A Fraterna acompanha o projeto no terreno até junho de 2023. E por isso vai capacitando os líderes do grupo para, no futuro, poderem corrigir situações “desviantes”. Marco é uma das pessoas que irá levar a tarefa avante. Aprende com Daniel como gerir um balneário. Como praticamente todos os jogadores, treina ao fim de oito horas da jornada de trabalho. “Há muita gente que já jogou futsal e está parada, estamos a tentar chamá-los para virem treinar. Se bem que é difícil treinar das 22h00 às 23h00. Chegamos cansados, muitas vezes sem estar com a família”, complementa. Mas o esforço “faz-se”, achega João Silva: “Quando temos bons colegas de trabalho, neste caso amigos, fazemos um esforço”.

Com praticamente um ano de projeto, o trabalho tem dado frutos. É que se o “topo dos sonhos” de Daniel era envolver a comunidade e sentir que o projeto já não tinha dono – era, sim, das pessoas que o fazem todos dias –, já sentiu isso. “Já aconteceu termos jogos em Santo Tirso, em Vila Nova de Cerveira, com muito público. A comunidade da Emboladoura sente que a equipa é deles e o apoio já extravasa as fronteiras do bairro.

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