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Pós-graduação sobre papel da imprensa local na projeção do Vitória

As emissões das rádio-pirata e os excertos dos semanários da cidade deram eco aos feitos do clube na Taça UEFA nos anos 80. Esse é o tema de uma pós-graduação de José Luís Ribeiro, jornalista à época.

22 outubro 2022 > 10:30

A noite de 05 de novembro de 1986 foi, porventura, o clímax da articulação entre a comunicação social vimaranense e vitorianos no eco dado aos feitos europeus daquela década. À exceção dos que viajaram a Madrid para confirmarem ao vivo a passagem à terceira eliminatória da Taça UEFA, os vitorianos só tinham uma forma de acompanhar em direto a grande penalidade travada por Jesus: a rádio.

Milhares, escreve O Povo de Guimarães na edição de 12 de novembro de 1986, reuniram-se no Toural para um relato em direto, graças ao esforço de Dino Freitas, autor e intérprete do recém-lançado hino do Vitória. Os comandados de Marinho Peres seguraram o 2-0 da primeira mão até ao golo de Da Silva, ao minuto 90+4. Finalista da Taça das Taças em 1985/86, o Atlético vencera o jogo, mas caíra na eliminatória, perante uma equipa que brilhava aquém e além-fronteiras. As ondas da Rádio Guimarães embalaram a multidão no Toural para uma “noite de Pinheiro antecipada”, com “claxons, vivas, desfiles, abraços”, e para uma receção em “festa” ao plantel no dia seguinte, quinta-feira, pela hora de almoço, acrescentava o semanário.

Esse é um dos episódios mencionados em “O papel da imprensa local na época áurea do Vitória Sport Clube nas competições europeias de futebol (1983 a 1987)”, pós-graduação de José Luís Ribeiro ao abrigo de um programa de comunicação no futebol profissional, sob a alçada da Liga Portugal e da Universidade Católica Portuguesa. “Por essa altura, tinha sido lançado o hino do Vitória, editado em cassete pela Rádio Guimarães. As transmissões no Toural eram acompanhadas pela atuação do Dino. Foram muito marcantes para a comunidade. O fervor era enormíssimo”, descreve o antigo locutor da rádio, pirata, que funcionou entre 1986 e 1988.

O Toural acolheu nova transmissão a 26 de novembro, quando o Vitória jogou no reduto do Groningen e perdeu por 1-0. “Esses relatos puseram à prova as capacidades de desenrasque e de trabalho de muita gente que fez chegar a informação aos vitorianos”, acrescenta. A reviravolta dar-se-ia duas semanas depois, com um 3-0 que valeu inédita – e até hoje única – presença vitoriana nos quartos de final da prova.

 

 

“Uma lacuna por colmatar”

A atenção à carreira europeia do maior emblema desportivo de Guimarães entre 83 e 87 – 14 jogos distribuídos por três épocas – brotou quase toda dos jornais e rádios locais, defende o autor. Se a informação desportiva já priorizava, tal como hoje, Benfica, Sporting e FC Porto face aos demais clubes, o tempo e o espaço para o futebol na paisagem mediática nacional eram, à época, bem menores. “A hierarquia mediática era, na altura, dominada pela política”, lembra José Luís Ribeiro.

Fundado em 1985, O Jogo era o único diário desportivo da altura, já que A Bola, Record e Gazeta dos Desportos publicavam-se quatro vezes por semana. Em tempo de rádios-piratas, a emissora pública, Antena 1, acompanhou todos os jogos europeus do Vitória, mas raros foram os relatos integrais; a cobertura ficava-se pelas informações dos golos, pela comunicação de resultados ao intervalo ou pelos “relatos partilhados em que se privilegiava a transmissão de outros jogos”, lê-se.

Quanto à RTP, transmitiu em direto o último jogo do período em causa – o Vitkovice – Vitória, de 09 de dezembro de 1987, em que os homens de Guimarães falharam o acesso aos quartos de final, após desempate por grandes penalidades. Até lá, ficara-se por uma “curta notícia nos serviços noticiosos ou em programas desportivos”, num período em que as transmissões em direto de jogos “não eram muito frequentes”, diga-se. “A ausência de transmissões do campeonato nacional (que apenas começaram a ocorrer com regularidade em 1988) era justificado com a “recusa dos clubes, receosos que a televisão lhes retirasse receitas de bilheteira”. Simultaneamente, os custos de uma transmissão internacional eram considerados demasiado avultados”, escreve o autor.

Antigo jornalista, José Luís Ribeiro refere ao Jornal de Guimarães que havia “uma lacuna a colmatar” para corresponder a uma procura da comunidade por informação sobre o seu maior clube desportivo. “Se a ligação entre os adeptos e o clube era já muito forte, foi intensificada neste período, não só por via dos resultados de mérito que o Vitória alcançou, mas também pelo fator comunicação”, conclui.

Aquando da melhor performance europeia do Vitória, Guimarães dispunha de três semanários impressos - O Comércio de Guimarães, Notícias de Guimarães e O Povo de Guimarães -, duas rádios piratas – Rádio Fundação, fundada em 1983, e Rádio Guimarães, de 1986 – e até uma televisão – a Televisão Regional de Guimarães, com emissões de cerca de três horas, às segundas e sextas-feiras, sobre atualidade do concelho, sucedendo à Televisão Regional de Covas. “Todos dedicaram grande espaço e tempo para notícias e reportagens sobre jogos do Vitória”, constata.

 

“Qualquer espécie de rivalidade mesquinha” foi “colocada de lado”

Das três formas de comunicar à época, a rádio foi o elo mais forte na ligação entre Vitória e adeptos, até pela recorrente presença dos seus jornalistas no estrangeiro, de que Mönchengladbach foi o auge. As esperanças vimaranenses no acesso às meias-finais da Taça UEFA esfumaram-se a 04 de março de 1987, sobre um relvado coberto de neve. A derrota por 3-0 na então República Federal Alemã (RFA) mereceu ampla cobertura dos órgãos locais, com enviados da Rádio Fundação, Rádio Guimarães e Televisão Regional de Guimarães.

A “rivalidade acesa” pautava o dia a dia dos órgãos de comunicação social local, mas as deslocações ao estrangeiro mitigaram-na, pelo menos entre jornalistas, conta José Luís Ribeiro. “Para viabilizar a ida ao estrangeiro para relatos ou reportagens, houve uma aproximação entre a imprensa”, diz.

Desde logo, as transmissões no estrangeiro eram caras, o que levou a uma peripécia em que Dino Freitas foi protagonista. “Para se fazer uma transmissão do estrangeiro, era necessário alugar um circuito aos então CTT/TLP. Além de cara, era uma solução analógica, com muitas limitações. É aí que o Dino Freitas arranjou uma mala de relatos milagrosa, que conseguia comunicar e fazer as transmissões”, assinala.

O “espírito de camaradagem” sentido em Mönchengladbach estendeu-se àqueles que ficaram em solo vimaranense: o jornalista da Rádio Fundação disponibilizou-se a escrever a reportagem dos “principais momentos da viagem, estadia e do próprio jogo” na RFA para O Povo de Guimarães, deu conta o semanário a 25 de fevereiro de 1987.

A ligação às comunidades vimaranenses no estrangeiro foi outra das dimensões assinaladas pela imprensa local, na visita do Vitória à Bélgica, para o duelo com o Beveren, em novembro de 1987. “Vasco Ribeiro, conjuntamente com Manuel Freitas, foram dois grandes companheiros dos jornalistas portugueses. Esperaram por nós no aeroporto de Bruxelas e nunca mais nos abandonaram. Porquê esta vossa alegria junto da comitiva do Vitória? Ajuda a ‘matar’ saudades da nossa terra!”, escreveu o Notícias, na edição de 20 de novembro. “A imprensa local vimaranense era, à altura, muito pujante. Julgo que foi um exemplo das vantagens do jornalismo local”, defende José Luís Ribeiro.

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