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Para quem vem da Ucrânia, a vontade de treinar persiste entre a saudade

Desde o início da guerra, o Guimagym já acolheu 10 ginastas, seis vocacionadas para a competição na ginástica rítmica. Agradadas com as pessoas e com as condições, faltam os pais.

16 abril 2022 > 07:00

A aparência difere, mas Oleksandra e Sofia são gémeas de 12 anos e, mais do que isso, partilham o gosto pela ginástica rítmica, ornada por arcos, maças e cordas. “Gosto de todos os aparelhos”, diz Sofia. Já Oleksandra não esconde a preferência: “Gosto de maças”. Na cidade-berço há um mês, as irmãs Riabets dizem-se “bem recebidas” por “pessoas muito acolhedoras, que costumam ajudar”.

“Saímos de Kiev logo no primeiro dia e estivemos na Roménia umas semanas para nos orientarmos e percebermos para onde iríamos depois. Através da nossa treinadora, voámos de Bucareste para o Porto a 15 de março”, avançam duas das caras mais novas do Guimagym.

A menção à treinadora assume um papel-chave para o destino das gémeas; ela é amiga de Adriana Castro, treinadora do Guimagym há quatro anos. Mestre em desporto olímpico e profissional, Adriana estudou seis anos em Kiev, forjou amizades e reparte hoje as ordens entre o português e o russo.

Com o território ucraniano invadido em larga escala, Adriana desdobrou-se em contactos e, na primeira vaga de refugiados a desembocar em território vimaranense, a 08 de março, acolheu a família de uma professora de ginástica rítmica que tivera na faculdade. Depois, ligou a treinadoras que conhecia para avaliar a “possibilidade de acolher ginastas”.  E assim chegaram as primeiras atletas ao clube vimaranense, todas “com referências de lá”.

Em meados de abril, o cenário já é outro: “Começámos a receber ginastas que não conhecemos”, descreve a treinadora. O meio para o processo se concretizar é uma base de dados online criada pela federação ucraniana de ginástica na qual o Guimagym se inscreveu; essa plataforma mostra aos ginastas refugiados a instalação mais próxima para prosseguirem os treinos.

Já são 10 os atletas daquele país em guerra que treinam na Academia de Ginástica de Guimarães: “um menino para a ginástica artística”, uma “menina para a acrobática”, “duas meninas para a ginástica rítmica de representação” e seis para a ginástica rítmica de competição: as irmãs Riabets são parte desse contingente, ainda formado por Sofia Smerteniuk, Ailara Stadnyk, Anzhelika Shyriayeva e Miroslava Bespala.

O acolhimento das ginastas é, contudo, um processo mais complexo do que a mera continuidade dos treinos; envolve alojamento, alimentação e inscrição nas escolas, tarefas das quais o Guimagym está encarregue. A ajuda de pais de outros atletas e de empresas vimaranenses tem facilitado a integração, porém.

“Uma empresa vimaranense vai assumir as despesas mensais de água, luz e ‘internet’. Para alimentação e roupa, temos aproveitado aquilo que não temos conseguido enviar para a Ucrânia. A mãe de uma menina do Guimagym disponibilizou um carro para elas. Depois fui tratar das matrículas. Para além do treino, o resto do tempo é para tratar da logística toda deles”, descreve.

 

“A importância da ginástica na vida destas crianças é realmente muita”

Familiarizada com a relevância da ginástica rítmica na Ucrânia, uma das potências da modalidade, Adriana Castro notou, em todas as atletas acolhidas, uma grande “vontade de voltar ao treino e de recuperarem a forma” mal pisaram o tapete.

“A preocupação de terem perdido alguma capacidade física era muito notória. Apesar do cansaço da viagem, da confusão de chegar e de terem que se alojar, quiseram logo treinar. A importância da ginástica na vida destas crianças é realmente muita”, descreve a treinadora de 34 anos.

Assim o papel do Guimagym é o de dotar atletas “já com um certo nível” das “melhores condições possíveis de treino”. E embora a Ucrânia seja uma referência na modalidade, as instalações da Academia de Ginástica de Guimarães não ficam aquém das melhores que o país invadido pela Rússia disponibiliza. “Em Portugal queixam-se que não há condições de treino. Lá também não há condições, mas os resultados aparecem, muito à conta do sacrifício de quem pratica e do saber das treinadoras, porque a história e o know how são muito grandes”, compara.

Adriana Castro realça ainda que o clube se tem preocupado em “proporcionar experiência agradáveis” a crianças que “têm aguentado estoicamente” a ausência dos país, retidos na Ucrânia segundo a imposição da lei marcial: todos os homens, dos 18 aos 60 anos, devem permanecer no país. Quando se “toca nesse assunto”, as “saudades” são evidentes, confessa. “É um assunto muito delicado. Às vezes, vêm lágrimas aos olhos quando se fala no pai. Não consigo imaginar como é que seria gerir, com a idade delas, nem agora, se o meu pai tivesse ficado na guerra”, resume.

 

“Às vezes, vêm lágrimas aos olhos quando se fala nos pais. Não consigo imaginar como é que seria gerir, com a idade delas, nem agora, se o meu pai tivesse ficado na guerra”, Adriana Castro, treinadora do Guimagym

 

Uma das crianças cujo pai ficou para trás é Ailara Stadnyk, um cirurgião em Kiev, atualmente com “muito trabalho”; a ginasta deixou a capital ucraniana com a mãe logo no primeiro dia da invasão e, apesar de ter ficado “presa no trânsito”, deixou o país ao segundo dia. Após ter chegado à Alemanha, viajou para Portugal com a ajuda do Guimagym. “O clube soube disso e comprou-lhes os bilhetes de Frankfurt para cá. Foi até uma mãe de atletas que já estavam no clube que se disponibilizou a pagar”, explica a treinadora.

Longe de casa, mas em segurança, Ailara pôde retomar os seus treinos com maças e sente-se bem, num equipamento com todas as condições: “São do melhor que poderia estar à espera”, enaltece a aspirante ao “escalão máximo” da ginástica rítmica, segundo o critério definido pela federação ucraniana.

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