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Os Valores… (Conclusão)

Em tempos atribulados, como estes que vivemos, a coragem é um valor estritamente necessário, como uma via intermédia – como já tinha ensinado Tomás de Aquino – entre a temeridade e a cobardia.

29 abril 2022 > 00:00

Por outro lado, o ato corajoso está sempre ligado à moralidade, pois o ser corajoso está sempre conectado com o fazer o que é justo. O contrário do ser corajoso é o recorrer a um expediente facilitador de interesses outros e, não raras vezes, mesquinhos. Liga-se profundamente ao fair play e ao espírito do jogo (as regras, o respeito pelo adversário e as tradições desportivas), mesmo quando os outros não estão a ver, ou não estamos a ser controlados, e que, em bom rigor, define o bom desportivismo. Assim, antes de ser uma opção de grupo, é uma opção pessoal que se manifesta antes, durante e depois do jogo, na derrota e na vitória. E para que seja plenamente alcançada exige dois outros valores – a igualdade e o respeito. O ser humano, seja quem seja, são todos iguais na sua dignidade e, consequentemente, devedores de respeito. Todo o ser humano, homem e/ou mulher, no respeito pela diversidade das condições humanas, quer quanto ao sexo, à proveniência cultural e às tradições, quer quanto à etnia. Mas igualdade não é igualitarismo, é sim o respeito pela dignidade de cada qual e o direito às mesmas oportunidades para todos, favorecendo em todos e todas a capacidade de realizarem as suas potencialidades desportivas, intelectuais e afetivas. Quando o desporto promove – e deve sempre promover – a igualdade entre os homens e as mulheres de todas as latitudes e culturas, e de forma integral, nos valores da lealdade, da perseverança, da amizade, da solidariedade e da paz, cumpre o seu papel principal na humanização das pessoas. A igualdade de oportunidades promove a prevenção de todas as formas de agressão e de exclusão. Assim, e consequentemente, o Papa Bento XVI, em Julho de 2007, pôde afirmar: “O desporto pode unir povos e culturas num espírito de amizade. O desporto é sinal de que a paz é possível”.

Lech Walesa afirmou que não há liberdade sem solidariedade. A solidariedade, quando tão facilmente se confunde liberdade com libertinagem (fazer o que me apetece, mesmo que implique magoar e/ou prejudicar o outro), é um dos valores mais prementes nos tempos hodiernos. Este é um valor com profunda ligação ao bem comum, ao destino universal dos bens, e à igualdade entre os povos e a paz. No jogo/desporto começa no interior de cada equipa, aquela unidade que se cria entre os companheiros na busca de um objetivo comum. Expressa-se num sentimento de atenção pessoal e de estima, mas engrandecesse quando ultrapassa as fronteiras da equipa e inclui o adversário. Quando um atleta de reconhecido valor, infelizmente muitas vezes idolatrado, se comporta de forma solidária cumprindo todos os valores nomeados nestas páginas, encontramos uma excelente escola de humanidade e de responsabilidade social. Todos sabemos que o exemplo vale mais que mil palavras. Concorrem, assim, todos os atletas (famosos ou não) para a construção de um mundo mais solidário e fraterno, contribuindo decisivamente para a superação dos conflitos e a edificação da paz. O jogo/desporto põe em destaque a tensão entre a força e a fragilidade, que são, sempre, condições necessariamente presentes na condição humana, e faz emergir com autenticidade os talentos e a criatividade de mulheres e homens na experiência vivencial e existencial dos limites e da finitude. Mesmo quando o triunfo ou a derrota acontece, quer da parte do vencedor quer da parte do vencido. O jogo/desporto é uma das poucas realidades capazes de superar as fronteiras entre povos e etnias, culturas e religiões, favorecendo a unidade e a proximidade de toda a humanidade. Para cumprir tão nobre objetivo, que não seja uma atividade confessional e partidária/politizada, que seja sem ideologias, favorecendo o encontro solidário de todas as realidades e de todos os seres humanos na casa comum do mundo em que vivemos, nos movemos e existimos. A solidariedade é a expressão mais nobre da liberdade humana quando responde diante do outro, seja ele ou ela qual seja.

“Não mudaremos o mundo se não mudarmos a educação”, afirmou o Papa Francisco aos participantes no IV Encontro de Scholas Occurrentes (05.02.2015). Só uma verdadeira educação integral e com uma visão cultural do desporto ao serviço das pessoas, fará eclodir os valores que desde sempre germinam no jogo/desporto. É, antes de tudo, o primado da pessoa humana, que coloca o jogo numa dinâmica de serviço e não de lucro, que o fará contribuir para a humanização e a salutar relação dos humanos com a natureza. Uma ecologia integral que valoriza a Casa Comum e os que nela coabitam, pessoas e todas as outras criaturas. O desporto é uma subcategoria do jogo, e jogar está na base do desporto a qualquer nível, visando sempre a promoção e o respeito pela pessoa e orientado para o seu crescimento integral. Um caminho educativo, que deixa de ser apenas informação, mas expressa-se na criatividade de quem joga/de quem o pratica. Uma indispensável dimensão lúdica, que nunca deve perder. Relembro mais uma vez as palavras do Papa Francisco: “Que o desporto permaneça um jogo! Só se permanecer um jogo, faz bem ao corpo e ao espírito” (discurso nos 70 anos da fundação do Centro Desportivo Italiano). Os tempos em que o desporto se pratica e o jogo nos convoca ao encontro com os outros e com o habitat onde nos movemos e existimos, mesmo sabendo que a subcategoria desporto oculta (em nome de interesses outros) o jogo, e a sua dimensão primeira de ludus, é necessário apostar na sabedoria. Parafraseando a oração de Reinhold, urge coragem para questionar e até mudar o que ofusca a dimensão lúdica do desporto, e, com grande dose de realismo, a serenidade na abordagem deste fenómeno tão importante da sociedade hodierna, para conviver com esta realidade sem a destruir, mas é sempre a sabedoria o melhor caminho para discernir o processo de construir os valores que humanizam os atletas, os diretores e outros colaboradores, e os sempre indispensáveis adeptos.

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