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O trio que ainda se pronuncia de cor reuniu-se: “Éramos uma família”

Romeu, Tito e Jeremias, sempre por esta ordem, são os nomes que os vitorianos pronunciam de imediato quando recordam a melhor a equipa dos anos 70, tempos de espetáculo… e polémica.

21 fevereiro 2022 > 19:30

com Bruno José Ferreira e Pedro C. Esteves

 

Sem a experiência de Rodrigues na baliza, talvez não fosse a mesma coisa. Sem o trabalho defensivo de Ramalho (ou Costeado), Rui Rodrigues, Torres e Osvaldinho (ou Alfredo), o “pêndulo” Custódio Pinto a “colocar” bolas, a omnipresença de Abreu e o apoio de Pedrinho na direita também não. Mas é graças ao ataque que a temporada 1974/75 se inscreve a letras douradas na centenária história do Vitória SC: Romeu, Tito e Jeremias foram os protagonistas maiores do melhor ataque daquele campeonato.

Marcaram 45 dos 64 golos com que os homens de Mário Wilson, quintos classificados, terminaram a 1.ª Divisão. Para encontrar outros clubes que se cotaram como o melhor ataque da prova, à exceção, óbvia, de Benfica, FC Porto e Sporting, é preciso recuar aos primórdios do futebol em Portugal: o Belenenses conseguiu-o nas épocas de 1934/35, 1940/41 e 1942/43 e o Olhanense em 1943/44. Como se explica tamanho feito por uma equipa que foi quinta classificada, após um final de campeonato ainda hoje lembrado com amargura por jogadores e adeptos. “Éramos uma família”, resume Tito, autor de 17 golos naquela edição do campeonato e melhor marcador da história do Vitória na divisão maior, com 82.

 

 

Uma “organização” com cunho de Lisboa, do Rio e de Vila Praia de Âncora

Os três atacantes só se reuniram em 1974/75. Por essa altura, Tito era já uma figura consolidada do Vitória de Mário Wilson, com 34 golos marcados nas três épocas anteriores, para todas as competições. O lisboeta iniciara a carreira no Atlético e jogara no União de Tomar antes de se mudar para Guimarães, definitivamente – ainda hoje, aos 75 anos, vive na cidade.

Com o progresso dos anos 70, os nomes mais proeminentes da década anterior, como Peres, Mendes e Manuel Pinto, abriam espaço para a emergência de novas caras. Uma delas foi a de Romeu. Formado em Moçambique, no 1.º de Maio, o ala natural de Vila Praia de Âncora ingressou no Vitória em 1972, juntando-se ao primo Ibraim. Em maio de 1974, o jogador marcou o golo do empate no Bessa que encerrou o campeonato. Esse foi o primeiro duelo a que Jeremias assistiu em Portugal, depois de uma carreira no América do Rio de Janeiro e no Fluminense.

Sugerido a Mário Wilson, o avançado brasileiro juntou-se ao plantel na época seguinte e foi talvez a figura que mais resplandeceu naquela temporada, a primeira disputada num Portugal democrático. Marcou 18 golos na prova, tendo feito um póquer na goleada ao Oriental (5-0). O avançado rejeita, porém, guardar todos os louros para si. “Fiz os golos, mas todos os outros criavam muitas facilidades dentro do campo para que tomássemos as decisões”, realça o artilheiro de outrora, hoje com 72 anos.

Jeremias elogia ainda a “liberdade” que Mário Wilson dava aos seus jogadores para criarem numa equipa que funcionava em 4x4x2, recorda Tito. É verdade que o trio ficou assim eternizado, até pela cadência com que os radialistas anunciavam as equipas titulares antes das partidas, mas o Vitória jogava com Tito e Jeremias no eixo atacante e Pedrinho e Romeu nas alas. Ao então jovem de Vila Praia de Âncora, cabia fazer o corredor esquerdo, a par de Osvaldinho. Na altura, os dois já se entendiam à semelhança do futebol moderno. “O Osvaldinho podia subir e eu fechava. O futebol é atual é assim, mas, na altura, já tínhamos essa automatização. O senhor Mário Wilson gostava do futebol ligado, com a bola jogada no pé”, sublinha.

 

 

“O Vitória não tinha poder”

A equipa preparada pela direção de António Rodrigues Guimarães e orientada por Mário Wilson teve um arranque fulminante. À oitava jornada, liderava o campeonato com 13 pontos, a par do FC Porto, com quem acabara de empatar nas Antas a um golo. Numa das jornadas prévias, batera o Sporting em Alvalade (3-2). À nona jornada, o Vitória perdeu por 3-0 na Luz, frente ao Benfica, futuro campeão, e caiu para o terceiro posto em que viria a concluir a primeira volta.

A segunda volta começou com um triunfo no reduto do Sporting de Espinho por 3-2, mas o desfecho foi ainda assim amargo para as cores vimaranenses. Jeremias foi expulso num lance com Simplício e foi castigado com cinco jogos de suspensão. “Quando toquei de costas e virei, o Simplício fez-me um carrinho e eu automaticamente saltei para evitar a falta e pisei. O árbitro [Tavares da Silva] tirou o cartão e expulsou-me. Foi uma das maiores covardias que passei no futebol. Estive ao ponto de agarrar as minhas coisas”, recorda.

A circunstância, digna de um protesto dos adeptos vitorianos junto à antiga sede, na rua D. João I, foi o prelúdio para aquele que viria a ser o final do campeonato. Entre os vitorianos com mais de 60 anos, dificilmente haverá quem não se lembre de como terminou o último jogo, com o Boavista: tentativas de invasão do Estádio Municipal, o Toyota 1200 de António Garrido a arder e a Polícia do Exército, vinda do Porto, para levar o árbitro embora.

Essas cenas em pleno Verão Quente, maio de 1975, foram o culminar de uma partida tensa, de contestação crescente àquele que era o mais cotado entre os árbitros portugueses. “Lembro-me de toda a agitação à volta do jogo. O António Garrido tentou-nos descontrolar completamente”, vinca Romeu, o autor do golo que reduziu a desvantagem vitoriana para 2-1, aquele que viria a ser o resultado final. “Quem ganhou foi o Garrido”, acrescenta Tito.

A contestação vitoriana agigantou-se em quatro ondas: a bola que o boavisteiro Amândio retirou do interior da baliza aos 12 minutos, para o 1-0 vitoriano, o alegado fora de jogo de João Alves, não sancionando, dando o golo inaugural aos axadrezados (28 minutos), os protestos perante a penalidade que deu o 2-0, face a novo eventual fora de jogo de Mané, e o penálti sobre Tito, não assinalado, já no final do encontro. Um empate bastava para o Vitória segurar a quarta posição e um eventual apuramento europeu.

“O Vitória não tinha poder. O Boavista tinha mais poder. Tinha uma boa equipa, mas tinha uma coisa que não tínhamos. Com o apoio da arbitragem, conseguiram-nos ganhar”, diz o antigo internacional português, com uma carreira que teve ainda passagens por Benfica, FC Porto e Sporting.

Jeremias lembra que o Boavista era “bom”, com jogadores como Salvador, João Alves, Francisco Mário, Taí, Barbosa, mas tinha igualmente “uma retaguarda” fora das quatro linhas que o Vitória não tinha.

 

 

A “garra”, a rapidez e as jogadas que faziam lembrar o Pelé

Jeremias, que depois passou três épocas num bom Espanhol de Barcelona – foi quarto na Liga Espanhola em 1975/76 -, é talvez a figura mais lembrada daquela temporada. E, na perspetiva de Romeu, com razão. “Foi dos melhores pontas de lança com quem joguei. Era muito bom tecnicamente. Com a sua devida dimensão, fazia-me lembrar o Pelé”, descreve.

O antigo dianteiro riu-se ao ouvir as palavras de Romeu e aproveitou para descrever Tito como um dos “baixinhos” que o ajudaram a brilhar como avançado, com técnica e capacidade de antecipação.

Já o melhor marcador da história vitoriana foi muito claro quanto a Romeu: “Era a garra que ele tinha e tecnicamente era bom jogador. Tinha um pulmão muito grande. Ia e vinha, ia e vinha”, detalha.

 

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