O país real é o das caixas dos comentários?
Há um claro decalcar da conversa de café para as redes sociais. Gente que sem noções básicas de literacia digital criou contas no Facebook, Instagram ou Twitter e usa-as em verdadeira roda livre.

Recordo-me de ser menino e ficar fascinado com as conversas dos mais velhos. Adorava estar em tascas e cafés e ouvir tudo aquilo que tinham para dizer. Fosse qual fosse o assunto que surgisse na televisão, ou que chamasse mais a atenção nas páginas dos jornais, todos davam a sua opinião. Da política, à economia, passando pelo desporto. Era um rol de especialistas em várias áreas.
Aquelas conversas, as opiniões que davam como verdades absolutas, acabavam por não sair de uma roda de amigos. À distância que a roda do tempo vai marcando percebi que muitas daquelas opiniões eram grandes disparates, coisas ditas sem nexo e, algumas, até irónicas só para animar as tertúlias de ocasião. No fundo, todos percebiam de tudo sem perceberam grande coisa do que estavam a dizer.
Mas os tempos mudaram.
Essas opiniões continuam a ser disparatadas, sem grandes fundamentos, mas são agora vertidas para um teclado que, num ápice, as colocam à disposição do mundo e não as cercam em quatro paredes.
Um chorrilho de disparates, de desabafos muitos deles ofensivos, com vernáculo e com uma escrita que faria corar de vergonha a professara da primária. Há um claro decalcar da conversa de café para as redes sociais digitais.
Gente que sem ter noções básicas de literacia digital se viu perante a possibilidade de criar contas no Facebook, no Instagram ou no Twitter e usá-las em verdadeira roda livre.
Quem fizer o exercício de diariamente observar as caixas de comentários das notícias dos principais jornais do país ficará, por certo, atónito com o baixo nível que o debate atinge. Pessoas que não conseguem formar uma frase mas que apontam o dedo e lançam pedras sobre qualquer personalidade ou tema que esteja na ordem do dia. Fica-se com a convicção de que são pessoas de alguma forma frustradas que descarregam a sua bílis no teclado e que escrevem sem o mínimo de reflexão.
A dúvida que me assola nesses momentos é pertinente e, acredito, não terá resposta fácil. Essa tormenta de comentários é o reflexo do país real ou representa apenas uns milhares que se dedicam a comentar tudo o que aparece nas redes sociais? Eu gostaria de acreditar que esta postura irascível, pouco tolerante, extremista, malcriada e pouco informada será de uma minoria mas temo que represente mesmo o nosso país real.