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Mas afinal o que é o Bom Senso no futebol

Para um árbitro, o bom senso começa muito antes do apito inicial de um jogo de futebol, é saber que se “ganha” o jogo bem antes de ele começar.

28 março 2021 > 00:00

O Núcleo de Árbitros de Futebol de Guimarães, gostaria de agradecer o convite que o Jornal de Guimarães nos endereçou, para esta parceria. Pretendemos contribuir com o esclarecimento de dúvidas e com a sensibilização da sociedade para que perceba que atrás de cada árbitro existe um homem/mulher com defeitos e virtudes, com dias bons e dias maus. Que, assim como outros profissionais, precisa de trabalhar arduamente para aumentar as suas capacidades e competências para atingir os mais altos patamares.

As regras de um jogo de futebol, estão descritas no livro das Leis de Jogo e é constituído por 17 Leis (que iremos abordar ao longo das nossas crónicas). Começaremos contudo pela lei décima oitava, aquela que não existe no livro nem noutro qualquer mas é uma presença assídua e bem presente em todos os novos cursos de arbitragem, atividades formativas desde quem está a começar a dar os primeiros passos nesta carreira até ao árbitro mais categorizado em atividade… A todos sem exceção é pedido… “Bom Senso”.

E o Bom Senso Sr. Árbitro…

Quando? Terá limites… mas até aonde? Em que situações… todas?

São muitas as questões que se podem levantar com esta temática que naturalmente surgem e outras delas que podem derivar mas será que no fim de contas existirá uma resposta final única, concisa e concreta? Afinal do que se trata quando nos referimos ao bom senso no mundo da arbitragem e nomeadamente no futebol. São questões que todos os intervenientes desportivos, jogadores, equipas técnicas, dirigentes e adeptos constantemente reivindicam à classe da arbitragem e a todos que diretamente ou indiretamente fazem parte desta.

Posto isto, a capacidade de gerir momentos e situações com inteligência emocional e sensibilidade (sem ferir as regras obviamente) é algo que qualquer árbitro tem que obrigatoriamente saber aplicar. Denominada muitas vezes como sendo, a décima oitava lei de jogo, alia entre outras significados, o conceito de perspicácia, razoabilidade, sabedoria e correta leitura de jogo e é neste preciso momento que surge uma outra e nova interpelação “ O que é que o jogo espera …?

Presumivelmente, não mais do que a melhor tomada decisão em prol do espetáculo desportivo, na defesa de um melhor futebol e uma aceitação por parte da maioria, decisão esta quase sempre difícil e tomada numa fração de segundo. Será a capacidade que um árbitro tem, ou devia ter, de aliar as normas à realidade ponderando as suas consequências, de forma a fazer as melhores escolhas possíveis, não é mais do que a sensatez que tem de aplicar jogo no momento de “apitar”. No futebol em geral, como na arbitragem em particular, ter bom senso é meio caminho andado para ser bem aceite. Para ter credibilidade. Para ser admirado. Para ser respeitado. Ainda que na falha, ainda que num jogo péssimo e o mais importante, ainda que no erro.

Tendo como por um exemplo recente, no jogo da Liga BPI de futebol feminino que opôs o S.C.Braga e o F.C.Famalicão, uma jogadora suplente da equipa visitada, que se encontrava a realizar exercícios de aquecimento atrás da sua baliza, toca na bola, com esta ainda dentro do terreno de jogo no momento em que a mesma iria sair pela linha de baliza. Entendeu-se claramente pelas imagens televisivas que o intuito da jogadora seria passar a bola à sua Guarda-Redes de forma a apressar o pontapé de baliza.

Relativamente ao toque na bola dado pela jogadora suplente (com a bola ainda dentro do terreno de jogo), a lei é clara e inequívoca não permitindo outra leitura a não ser a seguinte:

O árbitro deve interromper o jogo, advertir a atleta por comportamento antidesportivo e punir a sua equipa com um pontapé livre direto, e uma vez que o contacto com a bola ocorreu no interior da área de penálti, deve assinalar pontapé de penalti. Caso o contacto com a bola tivesse ocorrido fora da área de penalti, a punição seria pontapé-livre direto sobre a respetiva linha do terreno de jogo, no local mais próximo onde ocorreu o contacto. No que respeita à decisão da árbitra, foi tomada a decisão possível segundo as leis de jogo.

Poderá ser injusta para casos como este em que claramente não houve intenção de interferir no jogo, mas é geral e universal e foi alterada para evitar infrações deste género, mas cometidas deliberadamente por exemplo, suplentes entrarem em campo e evitarem golos da equipa adversária.

Muitos defenderão que o árbitro teria de usar aqui a pedagogia, aplicar o tão falado bom senso que poderia perfeitamente ser usado nesta situação ou em casos idênticos uma vez que não houvesse malícia alguma. Outros porém defenderão que a este nível competitivo em que o nível de instrução é elevado, relembramos que todas as equipas que participam a este nível no campeonato todas as épocas têm também no início da época formação / sessões de esclarecimento sobre leis de jogo, nas quais é possível garantir que estes casos são frequentemente abordados e alvo de alerta por quem as administra.

Portanto, será razoável pedir ao árbitro bom senso nesta situação concreta? Num campeonato que representa o esplendor máximo do futebol nacional (Primeira Divisão Nacional), em que os/as atletas são de um nível qualitativo superior, muitas ao nível de seleções nacionais, profissionais de futebol que têm esse dever de reconhecer o que é ou não permitido, conhecer as regras e deveres inerentes à sua profissão?

Perante o que foi descrito e referido anteriormente e se muitas vezes um árbitro é alguém que “transporta” o livro por debaixo do seu braço para dentro do terreno de jogo sendo apelidado de um teórico de qualidade, desfilando rigor teórico invejável, não será certamente o caso desta situação específica. O árbitro não possui o poder discricionário, e por muito que custe (em muitas situações do jogo), não resta outra decisão que não seja a de, aplicar a Lei.  

Por fim de referir que por detrás de um árbitro ou de uma árbitra de futebol ou de outra modalidade desportiva existe uma pessoa com personalidade, emoções e sentimentos distintos com caraterísticas completamente diferentes que nos distingue.

Para um árbitro, o bom senso começa muito antes do apito inicial de um jogo de futebol, é saber que se “ganha” o jogo bem antes de ele começar. No momento em que entra num campo de futebol ou num estádio, na forma como se apresenta, na sua capacidade de se relacionar com os vários intervenientes, na forma como reage às adversidades impostas, como se posiciona perante elas, como se justifica, como é capaz de ultrapassar problemas, gerir os conflitos com eloquência, impondo a sua autoridade natural sem exageros, sem sobranceria, sem arrogância, sem prepotência e mais importante de tudo com caráter, com humildade, com espírito de cooperação, com inteligência emocional e não menos importante com respeito.

Ter bom senso é ser consistente, tratar todos por igual, em qualquer jogo, em qualquer estádio, em qualquer competição, ser preventivo, ser proativo, ser o elemento mais calmo mesmo com o jogador mais exaltado, é saber usar de maior autoridade com o mais atrevido, ouvir e fazer-se ouvir, entender que constantemente são sujeitos a uma pressão mental enorme e a um grande desgaste físico. É saber virar as costas, com subtileza, quando a situação o justifica. É saber enfrentar, olhos nos olhos e sem receios quando o momento o exige, apitar leve no que é irrelevante e forte no que é grave, saber usar a linguagem corporal como um fortíssimo meio de comunicação com jogadores, técnicos e até com o público.

Ter bom senso é ser equilibrado nos piores momentos, ser pacificador quando a pacificidade é a resposta. É ser justo. É saber do jogo. É conhecer as pessoas. É saber sentir o pulso ao ambiente que o rodeia. É saber evitar conflitos e saber não “arranjar” problemas. É saber enfrentá-los de peito firme quando a situação assim o obriga. É ter coragem quando se exige que a tenha, mesmo tendo que tomar decisões que serão impopulares. É ter sempre a cabeça bem levantada na certeza que qualquer erro que cometa, maior ou menor, com mais ou menos mediatismo, jamais afetará a sua imagem. A imagem que o universo do futebol tem de si enquanto ser humano. Enquanto pessoa. Enquanto homem/mulher.

São lições de vida que se aprende devagar com inteligência e sensibilidade sem nunca beliscar as regras, o bom senso é o que define um árbitro mediano de um árbitro de topo. No futebol como no nosso quotidiano, é a solução para quase tudo de quase todos. O Bom Senso é de longe, a mais importante de todas as leis de jogo porque é a única que se aplica em cada um de nós… É O SENSO DO MOMENTO!

Alain Freitas (Presidente do Núcleo de Árbitros de Futebol de Guimarães) com a colaboração de José Carlos Novais (Secretário da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo de Árbitros de Futebol de Guimarães)

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