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“Lençóis para bandeiras” a preencher “uma vida vazia sem o Vitória”

“Às vezes farto-me. O futebol é muito diferente, mas penso assim: ainda não queria morrer esta semana, para ver o Vitória ir ganhar", José Luís - sócio n.º 2 do Vitória SC.

21 setembro 2022 > 16:05

Em 100 anos com apenas com dois títulos de realce no futebol sénior, o Vitória SC destaca-se pela paixão transgeracional, que se rejuvenesce e o diferencia dos demais. Aos 95 anos, José Luís vibra com os jogos, ainda que no sofá. A mobilidade já não dá para mais.

“Um adepto do Vitória tem de vibrar”, diz o sócio n.º 2. Completou recentemente 79 anos de sócio, que fazem dele o mais antigo do clube, com o número dois no cartão que exibe, orgulhoso. Mais jovem, Diamantino Lopes recorda a JUVI, uma das primeiras claques, e a sua influência no fervor em torno do clube.

Será o vitoriano que pode falar com mais propriedade do clube que viu crescer, transformar-se e passar por diferentes fases. “Nunca sonhei ser o sócio número um, mas aqui estou com muito gosto”. Foi dos pioneiros a ir com uma mulher ao futebol, a esposa, numa vida que, olhando para trás, “seria um vazio sem o Vitória”. “Sou sócio desde 1943, dia 2 de setembro, há 79 anos”, detalha, com uma lucidez que impressiona.

“Na altura ninguém entrava para sócio com a minha idade, 16 anos. Fui para o liceu em 1938, e, quando entrei para o quarto ano, o meu pai passou a dar-me uma semanada. Dava-me cinco escudos por semana. Com o primeiro dinheiro o que pensei foi: ‘Vou para sócio do Vitória’”, recorda. Até aos dias de hoje a ligação continua.

“Sempre fiz a minha parte, pagava as minhas quotas e ajudava no que podia”, complementa, lembrando que chegou a dar boleia aos jogadores para irem aos jogos. O carimbo de “maluquinho pelo Vitória” foi-lhe estampado, contudo, ainda antes desta idade. Com apenas sete anos, foi pela primeira vez à bola, no Benlhevai, pela mão do tio.

Da maneira como sou, dado o gosto que tive toda a vida com o Vitória, olhando para trás, sem o Vitória era uma vida vazia”
José Luís Fernandes sócio n.º 2 do Vitória SC

“Era daqueles rapazes que andavam sempre com uma bola. Sempre gostei de futebol e pedia a um meu tio, que morava connosco, se me levava com ele”, diz de forma fluida com sorrisos. O pedido era feito em tenra idade, mas o tio fez uma promessa: “Vais ao futebol quando fores para a escola, quando fizeres sete anos”. “Assim foi: em 1934 levou-me ao futebol, com sete anos, ao Benlhevai, no jogo com o Braga. Ganhámos 1-0; depois, em Braga, empatámos no Campo dos Peões, e o Vitória ganha o primeiro campeonato distrital. Foi uma coisa… uma festa fenomenal. Aquilo foi como um carimbo na minha cabeça. Fiquei um maluquinho pelo Vitória”. Um carimbo que haveria de perdurar.

Tem na ponta da língua algumas equipas míticas do Vitória SC, umas mais antigas, outras mais recentes. Do último jogo, frente ao Santa Clara, destaca Tounkara. “O Vitória tem ali um bom jogador”. As diferenças para o passado são muitas. “Hoje é tudo SAD, não sentimos tanto o clube”, considera. “Antigamente era a nossa terra, era o nosso orgulho, o nosso amor ao clube. O clube era nosso”.

Apesar deste sentimento, continua a saber religiosamente o calendário do Vitória, para vibrar no sofá. “Só não vou ao estádio, é complicado”, pontua. Atualmente a viver no Porto, o coração continua a acelerar quando a bola rola no berço. “Ainda este último jogo dei aqui uma palmada no sofá quando sofremos o golo. O VAR anulou”, desabafa.

E como um hipotético vazio tem o preenchimento de sempre, o Vitória SC, José Luís lembra que domingo, 18 de setembro, há um jogo para ganhar em Arouca. “Às vezes farto-me. O futebol é muito diferente, mas penso assim: ainda não queria morrer esta semana, para ver o Vitória ir ganhar a Arouca”, remata com sorrisos.

Diamantino Lopes: em Madrid, fizemos “uma festa que até arrepia”

Este sentimento é o mesmo de Diamantino Lopes, de uma geração diferente, mas com igual dedicação ao clube. Tem 42 anos de sócio e esteve na fundação de uma das primeiras claques organizadas do Vitória SC, a Juvi – Juventude Vitoriana. A claque foi fundada em 1984, tendo durado doze anos.

“Os jogos eram preparados uma semana inteira. Fazíamos peditórios pelos cafés e outros estabelecimentos comerciais. Em tudo o que fosse do primeiro andar para baixo, os lençóis eram para bandeiras. A minha avó era costureira e arranjava-se bandeiras. Era tudo por carolice: o que nos motivava era a paixão e ajudar o Vitória”, recorda com nostalgia o tempo em que tudo era mais simples.

Continua a ir religiosamente aos jogos e vê com agrado que a mística bairrista que continua viva, algo que, no seu entender, foi construído pelos seus tempos da Juvi. “Fomos dos primeiros a organizar deslocações, toda a gente ia com a Juvi. Sabíamos que, no mínimo, oito a 10 autocarros, levávamos sempre”, frisa.

Entre essas deslocações destaca duas como marcantes. Ao Atlético de Madrid e a Lisboa, numa deslocação célebre pelo comboio branco. “A deslocação que mais recordo é a do Vicente Calderón, ao Atlético de Madrid; fomos milhares de pessoas e eliminámos o Atlético, uma grande equipa. Há a recordação de chegar a Guimarães e estar o Toural cheio, mas nós lá fizemos uma festa que até arrepia recordar. Lembro também o comboio branco ao Estádio da Luz, o 3.º anel estava completamente cheio”, relata.

É por estas e outras recordações que Diamantino olha para trás e entende que a Juvi – “e nós que fizemos parte” – teve “um papel fundamental” em “muita da paixão que o Vitória tem hoje. “É um sentimento até à morte, ou para além dela”, ressalva Diamantino Lopes, tentando quantificar ou, de alguma forma, expressar a ligação e o sentimento que tem pelo clube. O mesmo que José Luís transmite ao despedir-se do Jornal de Guimarães. “E viva o Vitória”.  

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