José Diogo: desencontro e reencontro no clube que ensina a dizer “obrigado”
Experimentou o andebol por “acaso” aos 12 anos e cresceu na formação do Xico. Deixou a modalidade aos 17 e regressou oito anos depois para servir o clube, tal como procura servir a sua cidade.

Na quadra apropriadamente colorida a azul e amarelo, José Diogo ensaia uns remates à baliza enquanto se anseia pelo regresso da competição – após ter jogado pela última vez em 23 de Dezembro de 2020, no triunfo por 38-27 sobre o Sporting de Espinho, o Xico Andebol regressa ao ativo neste sábado, ao receber o CA Penafiel às 18:00. Aos 31 anos, o jogador privilegia o braço esquerdo para visar as redes; quando teve o primeiro contacto a sério com uma bola, aos 12, já exprimia esse atributo. O local onde tudo começou até não foi o pavilhão do Xico, onde já assistia aos jogos da equipa sénior, mas o da Escola EB 2 e 3 Afonso Henriques, onde estudava.
“A minha ligação ao Xico aconteceu por mero acaso. Foi uma história até engraçada. Eu andava na Escola EB 2 e 3, em Creixomil, e, na altura, havia imensas demonstrações de modalidades como o basquetebol, o voleibol e o andebol. Como eu era o guarda-redes da equipa de futebol lá na escola, fui também à baliza no andebol. Repararam que era esquerdo. Nestas modalidades, como são menos os atletas com braço esquerdo, são sempre mais úteis”, recorda.
Aos 12 anos, sentiu-se “peixe fora de água” no primeiro treino, mas o facto de ter na mesma equipa dois colegas com quem tinha aulas de guitarra no Círculo de Arte e Recreio, além de haver um “bom ambiente” no grupo, fê-lo ficar. “O que me ficou marcado inicialmente é aquilo que queremos que a imagem de marca do Xico seja: bom ambiente, bom balneário, amigos, família”, descreve.
Mas as faculdades de aprendizagem estavam então na “plenitude” e o andebol despertava-lhe cada vez “mais interesse”, fosse para melhorar o remate, o passe ou a técnica de salto. O crescimento tanto o levou às seleções nacionais jovens, como à interrupção precoce do andebol, com 17 anos. “Com 16 e 17 anos, tínhamos sempre estágios da seleção nacional no Natal e na Páscoa. Algumas vezes em Guimarães, mas mais em Rio Maior. Isso criou-me um desgaste emocional muito grande”, explica.
Certo de que nunca teve a carreira de andebolista como “objetivo de vida”, José Diogo deixou que outros “sonhos e vontades” prevalecessem à época e abandonou a quadra por mais de sete anos. Mas ainda foi a tempo de um segundo despertar para o andebol. Aconteceu em Vila Real, quando estudava Ciências da Comunicação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Mesmo reticente, aceitou os incentivos dos amigos de Fafe, contra quem já tinha jogado na formação, e do presidente do Vila Real e Benfica, o “senhor Machado”, que recentemente reativara a modalidade. “Disse que não ia. Disse que o andebol, para mim, tinha acabado, mas fui experimentar uma ou duas vezes e acabei por ficar até aqui”, recorda.
Passar a gratidão de geração em geração
Depois de uma época a competir pela Associação Académica da UTAD e de outra pelo Vila Real e Benfica, na 3.ª Divisão Nacional, José Diogo regressou ao “clube do coração” na época 2014/15. O clube descera à 2.ª Divisão no final da época anterior e decidiu apostar na prata da casa. Mesmo com “remorsos” por ter estado anos sem ir ao pavilhão, José Diogo aceitou o convite de Carlos Sarmento para regressar. E encontrou um clube mudado.
Na formação, o lateral direito integrara uma equipa que tinha “ganhado tudo o que havia para ganhar” nos escalões em que competiu, tal como atletas como o internacional Rui Silva, Nuno Silva e Mariano Machado. Almor Vaz, histórico dirigente desportivo vimaranense, era o presidente. “Foi uma geração de ouro, porque ganhámos títulos e trouxemos outra vez o clube à glória. O Xico era um clube muito respeitado, não pela equipa sénior, mas sim pela sua formação”, realça.
Quando voltou para integrar a equipa sénior, já o clube escolar tinha conquistado a única Taça de Portugal na história, em 2010, e testemunhado a passagem de algumas direções. O Xico estava mudado, mas não necessariamente para melhor. “Quando entrei, via-se um clube triste e abandonado, quer pela cidade, quer pelos atletas. Tínhamos um bom grupo, um bom plantel, mas as coisas não estavam bem estruturadas para o Xico ter sucesso. Isso foi um bocado triste”, referiu.
Para José Diogo, a adaptação à nova realidade foi difícil, mas também o ensinou a “dar dois passos atrás”, a reconhecer o seu novo papel no clube e a contribuir para uma “mentalidade ganhadora” no balneário, “independentemente das condições” oferecidas. Ainda assim, o lateral mostra-se grato pelo “sentimento de viragem” que constituiu a entrada da direção presidida por Diogo Leite Ribeiro, em 2018. “A gente tem de dar o mérito a quem o tem, e esta direção transformou o clube, quer a nível de imagem, quer a nível de condições de trabalho. Estou muito grato”, confessa.
Num ambiente que incentiva a uma maior “capacidade de trabalho”, José Diogo frisa também que o Xico é uma escola de valores. Isso vê-se no campo desportivo, com os atletas a terem noção de que não podem ser superados na “vontade de ganhar”, ainda que, atleticamente, não sejam os melhores do mundo. Mas também se vê nas relações humanas, seja no respeito pelo adversário, no saber ganhar, no saber perder e na gratidão. “Podemos vir aqui treinar todos os dias e jogar ao sábado, mas isso não é ser jogador à Xico”, avisa. “Um jogador à Xico é uma pessoa que diz um obrigado, que pede uma desculpa e sabe reconhecer os erros. Se não souberes agradecer a alguém que te abriu uma porta, não adianta seres o melhor jogador do mundo, que não tens lugar”, vinca.
É “essa mística” e “esse amor à camisola” que os atletas mais velhos têm tentado passar aos mais jovens, ainda para mais quando o Xico tem uma liderança que procura dar “tudo do bom e do melhor” a quem o representa. “Ser gratos é dar tudo o que temos no campo. Temos de ser gratos com quem nos dá tudo, da mesma forma que a direção é grata com quem dá tudo pelo Xico”, reitera. “Quero que os miúdos tenham o sonho de jogar no Xico, independentemente de ser na 1.ª ou na 2.ª Divisão”.
Cuidar da herança
Para José Diogo, representar o Xico é ainda uma forma de servir a “paixão” que tem por Guimarães, “transmitida pela família”. “Tenho uma paixão grande pelo associativismo vimaranense. Gosto de fazer algo pela minha cidade, que possa ajudar os outros sem pedir nada em troca”, diz.
Esse “serviço” também se viu nas Nicolinas, ao pertencer a duas comissões de festas, e com as Tortas de Guimarães, receita secular que aprendeu com os avós, fundadores da pastelaria Clarinha. “Fui o primeiro neto do meu avô a aprender a fazer. Sempre foi um gosto. É uma forma de agradecer aos meus avós o que fizeram por mim e o que fizeram por nós”, conta.
A receita é difícil e morosa e, por vezes, fá-lo questionar o porquê de estar a fazer aquilo. A resposta, porém, é simples: manter viva uma tradição da cidade. “Sentimos o peso de uma cidade que deposita em nós e na Casa Costinhas a confiança de continuar uma receita secular em Guimarães. É uma responsabilidade muito grande, que continuo a abraçar com muito gosto”, esclarece, antes de pegar novamente na bola.