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Guimarães corre? Corre. Noite dentro (e em grupo)

O movimento iniciado por José Capela em 2015 transformou-se em algo “especial”. O pelotão mais conhecido da cidade-berço voltou a palmilhar as ruas de Guimarães depois de 26 meses parado.

20 junho 2022 > 09:45

Há hora e local marcado – e há muitos anos que é assim. Quando o calendário aponta para segunda-feira, há um ajuntamento de camisolas florescentes na Plataforma das Artes. Chegam para aquecer os músculos para o devir: uma hora a percorrer os ramais citadinos de Guimarães em passo de corrida. António Caldas foi o primeiro a chegar. Espera em plena praça os companheiros que conhece bem. Sabe que “a malta” chega sempre mais perto das 21h00. Está a poucos minutos de repetir algo que já fez mais de 200 vezes. Explica: “Faça chuva, vento ou sol, segunda-feira é dia de [Guimarães] Corre Corre. Estamos sempre aqui. No inverno podemos ser uns 40. No verão, somos muitos mais”.

São mesmo muitos. Ao espaço amplo da Plataforma polvilhado com bancos brancos retangulares chegam, com o aproximar da hora marcada, aficionados pela corrida (mas também quem procura manter a forma e partilhar experiências). Em 2015 José Capela, não o sabia, mas dava os primeiros passos para criar uma comunidade. Também ele habituado a desafiar as línguas de alcatrão da cidade em corrida, pensou, numa dessas saídas, em emular “movimentos que existiam noutras como Coimbra e Santarém”.

“Pensei que seria uma boa ideia existir alguma coisa que juntasse malta para correr. Criei uma página no Facebook e fui convidando pessoas. Na primeira edição do Corre Corre apareceram 13, na segunda já éramos 20… e à 20.ª já tínhamos 100”, explica ao Jornal de Guimarães o mentor do movimento que explora e dá a redescobrir a cidade que, com o virar das páginas do calendário, se pode dissipar. Os avivares de memória acontecem frequentemente nos percursos. José Capela dá um exemplo: “Por vezes vamos a correr e mesmo nós, que somos de cá, ouvimos malta a dizer: ‘Já não me lembrava de passar aqui, quando era mais novo namorava ali’”.

 

 

Estas segundas-feiras dão alento

A cidade desbrava-se, mas sempre sob a égide de um lema: “Correr, conviver e brincar”. Quando perguntado sobre o que leva para casa todas as segundas-feiras, António Caldas responde facilmente: “Isto aqui não é um treino de corrida, é tirar as pessoas do sofá, é conviver”. É que se no circuito das corridas amadoras algumas caras apareciam frequentemente, o conhecimento esbarrava aí. Agora não. “A gente vai conhecendo outras pessoas que ia vendo em provas. Só que no fim da corrida cada um ia embora e não havia contacto. Aqui as pessoas vão-se conhecendo. É à segunda-feira que partilhamos se fomos a alguma corrida, se correu bem, se foi bem organizada. E até organizamos boleias para as corridas da semana seguinte”.

A pandemia tirou esse contacto, que fez falta a toda a gente que embarca, todas as semanas, no desafio de seguir José Capela pela urbe adentro – o percurso não é estanque, varia todas as semanas; apenas a paragem no Castelo é “obrigatória”. O regresso fez-se em maio, depois de 26 meses sem que o pelotão mais conhecido da cidade berço palmilhasse as vielas citadinas. António treinava em casa e a quebra da rotina foi complicada.  Até porque, chegada a segunda-feira, sentia que “faltava qualquer coisa”. “Tornou-se um hábito. E o dia sem o Corre Corre é estranho. Foi um bom regresso e um bom motivo para tirar as pessoas de casa”.

E quem se junta ao pelotão nem precisa de ser vimaranense. O Corre Corre está aberto a toda a gente e até pode servir de cartão de visita. Não é incomum ver alunos de Erasmus da Universidade do Minho juntarem-se ao momento de convívio. Afinal, o “prato” servido semanalmente agrada a todos – “Fazemos sete oito quilómetros, as pessoas respiram um bocadinho e sentem-se bem; é saudável e inclusivo”, repara José Capela. Junta-se a estas características a descoberta de património e de cidade ao virar de cada esquina. “É extremamente informal. No fundo é usufruir do espaço público para praticar corrida. É totalmente aberto a quem pratica há mais anos e a quem está a começar”.

 

 

Este caráter inclusivo e descontraído foi um dos um dos motivos que levaram Paula e João a experimentar correr em grupo, na companhia de José, António e muitos mais. As redes sociais mostraram à vimaranense o evento. Pensou que seria uma boa oportunidade para praticar exercício físico de forma mais regular. Nunca tinha corrido em grupo e João, apesar de anos de futebol e corrida, também não.

“Correr assim é uma motivação. Nós somos do concelho e acabamos por também descobrir Guimarães. Até acaba por ser uma forma de disfarçar o cansaço, porque é mais divertido. Há mais pessoas, não vou parar e encontro caminhos novos”, refere Paula. António tem mais anos, mais experiência e até organiza caminhadas; no entanto, também já conheceu “um ou dois” traçados que desconhecia.

É só uma das “particularidades”, achega José Capela, que transformaram o Corre Corre em “algo especial”. A comunidade não se construiu apenas alicerçada no gosto pela corrida. Como explica o fundador do movimento, Guimarães tem o condão de ter pessoas que “gostam muito” da cidade e “aderem com facilidade” a iniciativas que devolvam algo à comunidade. José Capela lembra “edições míticas” de corridas recreativas que aconteceram dentro de museus (ou nos jardins do Vila Flor) e a participação em recolhas de bens para a Casa da Criança – os atletas entravam, deixavam os donativos, e seguiam caminho.

Tal como nas 256 edições anteriores, o aquecimento de cinco minutos põe gente a saltar, a esticar e a dobrar-se sobre o seu corpo. Passa um par de minutos das 21h00. O pelotão mais conhecido da cidade sobe as escadas rumo à Rua Paio Galvão e prepara-se para começar mais uma incursão por Guimarães. Só José Capela sabe o percurso e os caminhos para chegar ao checkpoint obrigatório: o Castelo. Paula, António, Manuel e muitas dezenas só regressam ao sofá depois de uma hora a calcorrear Guimarães.

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