skipToMain

Ensaios por linhas tortas: o râguebi de Guimarães treina sem campo

Dos miúdos aos graúdos, a ausência de espaço próprio, a distância para os balneários e a escassa iluminação afetam um clube que tenta sonhar um futuro, apostando nos Grufinhos e nas Grufinhas.

20 maio 2022 > 23:30

O ruído não engana: é o dos pitons das chuteiras a calcorrear as lajes de betão, à luz de uma tarde solarenga de maio. Adultos, jovens, adolescentes e crianças deixam os balneários da Pista Gémeos Castro para rumarem a um dos quarteirões do Parque da Cidade Desportiva que confronta com a Veiga de Creixomil. A clareira relvada é o anfiteatro para os treinos do Guimarães Rugby Football Union Club (GRUFC), dos sub-6 aos seniores, em que os postes são a única marca alusiva à modalidade.

De resto, o piso é irregular e as linhas inexistentes, mas Renato Rodrigues já “estava consciente das condições que iria enfrentar” quando assumiu o comando técnico dos seniores, no arranque da temporada 2021/22. “É a minha primeira época. Venho do Clube de Râguebi de Arcos de Valdevez e, lá, temos campo próprio”, vinca o treinador, após passagens pelos sub-14, sub-16 e sub-18 até chegar à formação principal do emblema do Alto Minho.

Na 1.ª Divisão Nacional (segundo escalão) desde 2017/18, os bravos jogam como anfitriões na Pista, partilhando-a, na época prestes a findar, com o Vitória - equipas B e sub-23 – e o Pevidém. Como o uso permanente do relvado torna “praticamente impossível treinar lá em cima”, o grupo arca com as “diferenças” do palco de jogo para o recinto de treinos.

A falta de marcações é o problema mais evidente num lote que inclui a distância entre o balneário e o relvado, com a logística de “levar o material para baixo e para cima”, e a “escassa” iluminação, sentida no Inverno e nos “dias de chuva”. “Perde-se a noção das dimensões do campo. (…) Nos treinos, faço as marcações com cones, mas é complicado”, constata o timoneiro.

Aquele parque em São Tiago de Candoso é o dia a dia do GRUFC desde 2018, ano em que o relvado da Pista foi substituído para acolher as equipas sub-23 e feminina do Vitória, segundo o contrato-programa assinado entre clube, Tempo Livre e Câmara Municipal de Guimarães, no valor de 345.800 euros. Em 2018/19, os azuis e brancos vaguearam pelos Arcos de Valdevez e pelo Porto antes do regresso à Pista em 2019/20, com a companhia de um novo inquilino, o Berço.

Ligado ao GRUFC desde a fundação, a 03 de novembro de 2008, o capitão Pedro Piairo testemunha os condicionalismos desde então sentidos. “Antes das obras, treinávamos na Pista uma vez por semana. Depois, só temos ido lá uma vez por mês”, frisa ao JdG enquanto o restante plantel se digladia pela oval.

As sessões num campo “torto” refletem-se na hora de competir, salienta: antes da troca de relvado, o clube foi campeão da 2.ª Divisão em 2016/17 e quarto classificado no primeiro ano de 1.ª Divisão; na época em curso, fica-se pelo meio da tabela. Aos 29 anos, o jogador espera pelo “campo de treinos” de que ouve falar desde que é bravo, ambição corroborada pelo presidente Manuel Paulo Ribeiro.

Prometido no anterior quadriénio autárquico, nos “terrenos abaixo do hospital privado”, o dossiê do campo segue “sem desenvolvimentos”, afirma ao Jornal de Guimarães. E a ausência de um espaço com as marcações do râguebi contribuiu para “quatro anos de estagnação”, os “mais difíceis” de um clube com cerca de 150 sócios e 60 atletas. Até o orçamento anual, de 50 mil euros, está abaixo dos 60 mil pré-pandemia, fruto da escassez de atletas para se formar uma equipa sub-19, declara.

 

 

“Às vezes, custa-me olhar para o lado e vê-los treinar”

Se a mudança do local de treino foi “prejudicial” para a equipa sénior, também a foi para os escalões de formação. “Já treinaram no parque, à chuva e sem luz”, adianta Pedro Piairo. “Para um pai, ver um filho treinar num campo sem luz, sem ver onde os miúdos vão treinar e o chão que vão pisar, é um bocado complicado. Isso tirou-nos miúdos”.

Enquanto os adultos colidem pela bola, dois grupos de jovens exercitam-se a dezenas de metros: o dos Grufinhos, dos sub-6 aos sub-12, e o dos sub-14, com seis rapazes às ordens de Nuno Cardoso. Se ao sol, o risco de “entorses” é o maior receio, face aos “desníveis” da relva, os obstáculos para um jovem crescer no râguebi adensam-se quando a meteorologia é outra. “Às vezes, custa-me olhar para o lado e vê-los a treinar. Quando as condições são más e chove bastante, isto fica um lamaçal, um pântano”, realça o treinador.

Há dias de inverno em que as camadas jovens do GRUFC treinam num espaço anexo ao relvado da Pista, mas a maioria das sessões decorre no parque, a cerca de 200 metros do balneário, distância que gera desconforto às crianças e até aos pais. “Não é fácil para um pai ter um menino a treinar aqui, em que, se quiser ir à casa de banho, tem de andar 200 metros”, dá conta.

Com a pandemia, o “número de miúdos caiu”, nota ainda. E a concorrência de outros desportos torna a recuperação “difícil”, independentemente da crescente aposta dos bravos na formação de treinadores, na fisioterapia e no “apoio médico”, avisa.

 

 

“Enriquecimento motor” em contexto natural… para rapazes e raparigas

No primeiro ano como treinador do GRUFC, Pedro Mendes reconhece que o futebol e até outras modalidades têm “mais visibilidade”, até pelo “clube muito grande” que é o Vitória SC, mas o râguebi distingue-se pela ausência de competição nas mais tenras idades, privilegiando os “aspetos motores, físicos e coordenativos”, afetados pelo contexto da covid-19.

“Mal comecei o trabalho há um ano, notei logo a diferença. Com a pandemia, estas crianças ficaram totalmente presas em relação a crianças de outras gerações, sem o enriquecimento motor ao ar livre”, recorda, enquanto alinha uma dezena de Grufinhos para o próximo exercício.

Ao invés dos escalões mais acima, o Parque da Cidade Desportiva pode ser vantajoso para o “desenvolvimento físico e motor” dos mais jovens, pelo “contexto natural” que os sujeita ao que “mais à frente” vai ser um jogo, incluindo as “alterações climatéricas”. “Num pavilhão, estariam mais protegidos, mas isso iria afetar o seu desenvolvimento”, comenta.

E o modelo tanto vale para rapazes como para raparigas; dos seis aos 12 anos, os géneros coabitam, ajudando cada protagonista a “adaptar o comportamento” para “lidar com a diferença”, atesta Pedro Mendes. Esse processo desenrola-se à medida que o GRUFC se esforça para criar uma equipa feminina a partir das visitas às escolas do concelho; na mais recente, ao Colégio do Ave, cerca de 320 alunos contactaram com a oval.

Tópicos

Subscreva a newsletter Tempo de Jogo

Fique a par de todas as novidades

Opinião Desportiva

Multimédia

Podcast