Emídio Magalhães: “Sem formação, não há futebol”
Treinador e coordenador da formação no Vitória e no Moreirense ao longo de quase 50 anos, o campeão nacional sub-15 de 1995/96 enaltece facto de os jovens serem "cada vez mais o suporte dos clubes".

Um jogador promovido à equipa sénior é sempre um produto da formação, seja daquele ou de outro clube. A afirmação pode parecer óbvia, mas Emídio Magalhães gosta de declarar o que parece óbvio e que, ainda assim, convida à reflexão. “Sem formação não há futebol”, declara. E concluí: “Pode-se ir buscar jogadores ao estrangeiro, mas eles têm que ter formação, foram formados em algum lado”.
A aposta na formação de atletas, seja por necessidade ou por filosofia, é um assunto que está em voga, mas que não é novidade nenhuma. É Emídio Magalhães, nascido em Cabeceiras, mas adotado pela cidade e pelo futebol de Guimarães, quem o diz. Conta uma vida ao serviço dos clubes vimaranenses e ao serviço dos departamentos de formação. Entre as décadas em que serviu um e outro emblema já se passaram “à volta de 50 anos”. A soma que faz é rápida: “Foram 36 anos no Vitória” e “duas passagens pelo Moreirense, uma de dez e outra de três anos”.
Já nesses tempos idos se dizia “que a formação tinha que ser o suporte dos clubes”. Emídio desenrola o fio da memória e lembra que “houve muitos clubes que apostaram e outros que não”. Os anos passaram-se e, como sempre acontece, o tempo foi o melhor juiz: “Agora está a ver-se que aqueles que apostaram foram os que ganharam a aposta”. Os tempos mudaram e Emídio Magalhães, que agora se dedica à empresa e à família, assistiu a todas as alterações que transformaram o futebol e, claro, os departamentos de formação.
Entrou nas malhas dos escalões de formação na década de 1970 e só parou em 2021, quando se demitiu do cargo de coordenador da formação do Moreirense. As mudanças que identifica são próprias do futebol: “Os próprios campos e as bolas” mudaram, afiança. Para quem tem uma coleção de memórias que perpassa quase meio século de futebol, é fácil estabelecer comparações: “Há muita gente que não sabe, mas antigamente íamos a clubes e as bolas…”. As imagens desses tempos fazem com que Emídio deixe a frase a meio e faça uma pausa para procurar as palavras certas para descrever o esférico que rolava na relva no passado. Não as encontra: “Aquilo não eram bolas nenhumas”.
Agora é diferente, diz, agora “a Federação exige bolas iguais, exige campos com medidas iguais, antigamente não era assim”. As condições, ao nível das infraestruturas, também mudaram e o Vitória serve de exemplo: “Antigamente o Vitória só tinha um campo pelado para todos os escalões e hoje temos aquilo que temos”. Diz-se que nos tempos idos também não havia scouting, não havia treinadores de guarda-redes e não havia preparador físico.
O que se quer dizer, no fundo, é que não existiam os cargos, mas já se fazia isso tudo e o treinador ou o coordenador era a figura responsável por fazê-lo. “A evolução vem daí, destas mudanças todas no futebol”, diz.
“Um campeonato nacional do Vitória vale por dez do Porto, Benfica ou Sporting, disso não há dúvida”
Emídio Magalhães não corrobora o discurso de quem diz que não é importante ganhar nos escalões de formação e, uma vez mais, é perentório: “Não se consegue formar sem ganhar”. E explica: “Qualquer jogador, seja de que idade for, quer ganhar”. Afiança que, durante uma carreira quinquagenária, ímpar em tantos aspetos, “nunca vi nenhuma equipa que não quisesse ganhar”.
Acrescenta: “Se dissermos a um miúdo que vai para o campo de manhã, que acorda às seis ou sete da manhã, que não é preciso ganhar, que o importante é formar e divertir-se, ele não vai aparecer”. Não ignora que há outro papel importante que cabe aos profissionais que assumem papéis na formação de qualquer clube: “Com certeza também vamos formando homens para saberem respeitar os outros e poderem estar na vida”. No entanto, reforça a ideia de que educadores são os pais e os tutores: “Nós, treinadores da formação, não somos educadores”.
No fundo, Emídio Magalhães acredita que “a formação parte de casa” e depois cabe aos treinadores e também aos professores “o trabalho de continuidade”. Diz que nunca negou ajuda aos pais que o procuraram e tentou sempre ajudar e passar as mensagens aos seus jogadores. Reconhece que a exigência que sempre imprimiu aos treinos “exigia aos miúdos que se comportassem” e pedia-lhes uma certa postura fora do relvado. Lembra-se que lhes dizia constantemente uma frase: “Vocês são jogadores
do Vitória, não são malandros”.

No palmarés do centenário Vitória Sport Clube destacam-se três títulos nacionais, mérito dos pupilos da formação. O primeiro remonta a 1990/1991: na altura, a equipa liderada pelo professor Manuel Machado bateu o Sporting CP e garantiu o primeiro. Em 2013/2014, foram os juvenis de Tozé Mendes a festejar e a alcançar o mais importante troféu nacional. Pelo meio, na época de 1995/1996, Emídio Magalhães conduziu os iniciados ao título depois de baterem o SL Benfica, em Miranda do Corvo, por 1-0.
No onze inicial do timoneiro estavam Ricardo, Baptista, Samuel, Kipulo, Tiago, Vieira, Luís Carlos, Lima, Carvalho, Pedro e Hugo. Quando subiram ao relvado, “era impensável sermos campeões”. As palavras são de Emídio, que não se roga a concluir a frase: “Mas fomos”. Um título que tem muita importância até porque “um campeonato nacional do Vitória vale por dez do Porto, Benfica ou Sporting, disso não há dúvida”.
Desses tempos guarda também muitas memórias, mas há uma que sobressai: “Na primeira jornada jogamos com o Sporting de Braga, ganhámos 8-1, e o treinador deles era meu amigo, o senhor Carlos, e ele incentivou-me, disse-me que ia ser campeão nacional com aquela equipa”. É “a cereja no topo do bolo” de uma carreira recheada “de momentos muito bons”.
Continua a acompanhar a modalidade e especialmente os clubes em que passou grande parte da vida. São clubes diferentes, reconhece, mas ambos com coisas boas. Estabelece o paralelismo: “O Vitória é um clube muito maior, não é um clube só do concelho” enquanto “o Moreirense é um clube sério, que trabalha para ter formação”. Fruto disto, “com certeza o Vitória vive muito de jogadores de fora e o Moreirense nem tanto porque não tem ainda as condições para poder albergar esses jogadores de fora”, mas acredita que “com o tempo vai ter também”.
Ainda assim, essa não é uma tendência que Emídio Magalhães gostasse de ver crescer sem travões. Descreve-se como um “regionalista” e, por isso, acredita que os clubes devem procurar pelos jogadores que estão mais próximos: “Eu sempre fui e sempre serei um regionalista. Temos de procurar e temos de ter o maior número possível de jogadores da cidade”. Explica o raciocínio que faz: “Jogam com outra atitude, as pessoas vão ver mais”. Com uma carreira quinquagenária, Emídio Magalhães diz que, nos tempos que correm, “tem de haver outra simbiose”.