Automobilismo: nova geração a toda a velocidade
Há jovens vimaranenses com sonhos desenhados em trajetórias a quatro rodas, perfilando-se como possíveis sucessores de nomes como António Rodrigues, Carlos Rodrigues, Pedro Meireles e Manuel Castro.

Ignição acesa, pé no acelerador, mãos a rodar o volante: a aventura sobre quatro rodas começou cedo para Francisco Milheiro. E persiste nítida no baú das recordações. “Comecei aos quatro anos numa escolinha de karting em Baltar (Paredes) e, a partir daí, foi um vício que foi crescendo”, realça o piloto de 21 anos ao Tempo de Jogo.
Filho do século XXI, Milheiro já acrescentou páginas ao legado construído pelos vimaranenses que se enamoraram pelo ronronar dos motores, pela adrenalina da velocidade, pela suavidade do asfalto ou pela aspereza da gravilha no século passado ou nas décadas de transição entre o segundo e o terceiro milénio; as voltas de kart até aos 19 anos deram lugar aos títulos de 2020 e de 2021 na categoria 1300 da Taça de Portugal de Montanha, a bordo de um Peugeot 106. “Senti que o Campeonato de Montanha era o ideal para começar. Tem carros com pouca potência e pouca cilindrada. Dá para começar a ganhar mão aos carros e experiência”, detalha.
Os troféus ornamentam uma vitrina que inclui as 14 vitórias de António Rodrigues na Rampa da Penha, a mais antiga prova automóvel vimaranense no ativo, datada de 1930 -, o Campeonato Nacional de Velocidade de 1991, de Carlos Rodrigues, irmão de António, o título nacional de ralis de Paulo Meireles em iniciados (1992) e, mais recentemente, o título nacional absoluto de ralis de Pedro Meireles (2014), disciplina onde tem a companhia de Manuel Castro. Mas já há nomes na calha para a passagem de testemunho: Arlindo Beça, que já se distingue na Velocidade, Maria Germano Neto, integrada na Ferrari Driver Academy, e Luís Alves.
As memórias do primeiro contacto com um kart ainda hoje se balançam, alegres, na consciência do piloto de 15 anos. “O bichinho soltou-se de vez em 2010, no kartódromo indoor de Famalicão. Tinha quatro anos. Nunca me vou esquecer. O que mais gosto de fazer é andar de kart e competir”, reitera.
“Senti que o Campeonato de Montanha era o ideal para começar. Tem carros com pouca potência e pouca cilindrada. Dá para começar a ganhar mão aos carros e experiência”, Francisco Milheiro, detentor da Taça de Portugal de Montanha 1300
Dois anos depois, disputava a Taça de Portugal no escalão de iniciação, devorando quilómetros país fora; e conquistava o primeiro título na pista favorita, a do Bombarral. “É quase impossível descrever a sensação de felicidade do primeiro título”, descreve. Seguiu-se mais uma Taça, em cadetes (2015), e quatro títulos de campeão nacional – cadetes (2015), juvenis (2016 e 2017) e juniores (2019). Chegou à categoria rainha, a X30 sénior, no ano passado, foi vice-campeão nacional por duas vezes e obteve o segundo lugar na mais recente Taça de Portugal, disputada no fim de semana de 06 e 07 de novembro, em Leiria.
Cada vez mais habituado a “gerir” as emoções nos momentos decisivos, o jovem admite uma “evolução grande” ao longo da última década, embora precise ainda de melhorar na defesa da posição. “Sou muito rápido e constante. Em dez voltas, consigo fazer nove rápidas, mas ainda posso melhorar a defender”, descreve o condutor que enverga as cores do Vitória SC.
Mas há outros aspetos a ter em conta para quem quer singrar no mundo automóvel: “Foco e dedicação nas corridas e nascer com o jeito para aquilo”, releva Francisco Milheiro. Com dois títulos de 1300 no palmarés, o piloto com o emblema do Xico Andebol a bordo quer transferir-se da Montanha para a Velocidade em 2022. “Gosto de competição direta em circuitos. É o que espero fazer nos próximos anos”, afirma.

Custos são elevados. Com acidentes, tornam-se “ridículos”
“Fica mesmo muito caro correr”, reconhece Francisco Milheiro. Aos 21 anos, sabe que não há piloto capaz de realizar uma época por menos de 25 mil euros, seja qual for a disciplina. No caso do Peugeot 106, as despesas já variam entre os 50 e os 150 mil euros, sem “acidentes nem problemas mecânicos”. “Se os acidentes acontecerem, subo a patamares ridículos para a situação económica do país. Não temos capacidade para gastar 30 mil euros por semana, como em Espanha”, resume.
A falta de “capacidade orçamental” pode sentenciar a perda de “pilotos muito bons e muito novos durante a infância” e o generalizado desconhecimento do território de Guimarães para com essa realidade não ajuda, frisa o condutor. “Como uma empresa vê que não é vantajoso investir, os apoios aos pilotos ficam muito mais a cargo das famílias”, especifica.
“[O karting] é o início de tudo no que respeita ao automobilismo. Não somos o patinho feio da federação, mas andamos muito lá perto”, Rui Alves, pai de Luís Alves
No patamar mais alto do karting nacional, os gastos anuais os 40 mil euros entre corridas e treinos, estima Rui Alves, o pai de Luís. Aficionado das quatro rodas desde jovem, quando faltava às aulas para ver o Rali de Portugal em Fafe, avisa que cerca de um terço das despesas vai para pneus. “Nesta categoria, um jogo de pneus custa cerca de 200 euros. Ao fim de 50 voltas estão quase prontos a ir para o lixo”, explica.
Até agora, o jovem de São Martinho do Conde raramente correu em equipas oficiais, apresentando-se com uma “estrutura própria” montada por Rui Alves; apesar do “tempo” e da “dedicação” que exige, a opção facilita “o controlo dos equipamentos e da logística”, justifica.
O responsável salienta, contudo, que é “muito difícil singrar” no automobilismo sem apoios. Em Guimarães, diz, a norma é olhar o desporto motorizado como o resto do país o olha: uma atividade “elitista”, com gente sem necessidade de financiamento. “Quando pedimos um apoio, a resposta é a de que somos ricos por andarmos neste desporto. E se somos ricos não precisamos de apoio. É uma pescadinha de rabo na boca”, explica.
Rui Alves mostra-se ainda mais crítico da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK), pela falta de investimento no karting, a base para a afirmação futura na modalidade. “Não somos o patinho feio da federação, mas andamos lá perto”, reitera.
O filho, Luís, já tem a noção de que o dinheiro pode ser o maior entrave ao “sonho de uma carreira no automobilismo”, mas nem assim as esperanças de “chegar a um patamar alto” esmorecem. “Se não temos patrocinadores, não chegamos lá. Chegar à Fórmula 1 é muito, muito difícil, embora não impossível. Gostava de correr por exemplo nos LMP, que competem nas 24 Horas de Le Mans”, confessa.
