As “pequenas percentagens” que contam cada vez mais no desporto
A nutrição, a psicologia, a preparação física ou a estatística estão cada vez mais presentes de atletas a título individual aos clubes, não só no desporto profissional como também no amador.

O talento por si só não é suficiente”. Esta ideia está a ganhar cada vez mais o estatuto de verdade indiscutível no desporto. No contexto de alto rendimento a máquina que acompanha os atletas tem vindo a ganhar escala, notando-se a intervenção de fatores diversificados no trabalho implementado para aumentar a performance desportiva. A um nível profissional é impensável não ter um Departamento de Alto Rendimento, e no contexto amador nota-se a procura da intervenção de áreas diversificadas, como a psicologia, a nutrição, a fisiologia ou até a estatística para que os resultados sejam timbrados com o carimbo do sucesso.
Trabalhos que muitas vezes são “invisíveis aos olhos das pessoas”, defende Pedro Martins, membro da equipa técnica do CR Candoso que desenvolve a sua atuação em áreas como o scouting e a estatística. Trabalhos a que os atletas “se agarram para evoluir uma pequena percentagem que pode ser determinante num desporto cada vez mais competitivo”, complementa o nutricionista Filipe Sousa. Trabalhos que fornecem aos atletas “estratégias eficazes para melhorar o rendimento”, acrescenta a psicóloga Sara Tavares, ou então trabalhos que “aliados ao talento o atleta destaca-se com maior notoriedade”, segundo o preparador físico João Pedro.
O Jornal de Guimarães falou com quatro profissionais de diferentes áreas que trabalham com desportistas, neste caso em clubes, de forma a potenciar resultados através de quatro ciências distintas.
“Se a nutrição ajudar alguém a ser dois ou três por cento melhor já está a fazer uma grande diferença”
Comecemos pela nutrição, área à qual Filipe Sousa tem emprestado a sua própria experiência futebolística. Formado nas camadas jovens do Vitória SC, é atualmente jogador do Pevidém na Liga 3, mas é nutricionista de profissão no Vizela, e até há bem pouco tempo desempenhava o mesmo papel no Shakhtar Donetsk, da Ucrânia.
Rapidamente enumera os aspetos em que a nutrição ajuda na performance desportiva. “Há muitos indicadores em que na nutrição pode ter um papel preponderante no aumento do rendimento: ajuda na composição corporal, na melhoria da recuperação entre sessões de treino ou competição, e minimiza os riscos de lesão”, aponta, frisando que obviamente a nutrição desportiva é diferente da nutrição comunitária e a sua atuação difere até entre desportos. “Com o aumento do consumo de determinados grupos alimentares em detrimento de outros é possível melhorar esta disponibilidade de combustível para o exercício”, explica o vimaranense, acrescentando que “uma composição corporal otimizada leva a uma maior capacidade” para fazer exercício físico.
Ciente de que “há cada vez uma maior preocupação com estas valências”, Filipe Sousa fala numa relação de confiança ao qual “é necessário fazer com que o atleta esteja confortável em aderir a uma determinada estratégia, para que depois seja possível ter o proveito desejado”. “Antigamente os jogadores achavam que bastava ter boa qualidade técnica, mas atualmente os mais jovens sabem que é mais difícil destacarem-se e agarram-se a estas pequenas percentagens de melhoria que áreas como estas podem dar. Se a nutrição ajudar alguém a ser dois ou três por cento melhor já está a fazer uma grande diferença”, aponta o nutricionista.

“Muitas vezes os atletas percebem que têm um problema, mas têm aquela barreira que a psicologia não é normativa”
A psicologia é outra das áreas que tem ganhado força no desporto, ainda que se esteja num processo em que “é necessário quebrar o medo de que a psicologia é para tolos”. Ultrapassar essa barreira inicial para depois “conseguir ajudar” é o trabalho que Sara Tavares está a desenvolver desde novembro no Xico Andebol, clube que atualmente disputa o principal escalão do andebol nacional, ainda que de forma não profissional. “O projeto que está a ser desenvolvido e a intervenção da psicologia no desporto adapta-se a várias faixas etárias e a diferentes níveis competitivos. Acabo por fazer atuação a vários níveis, quer em grupo quer a nível individual e não só com os atletas, trabalhando vertentes como a ansiedade ou até problemas pessoais”, explica Sara Tavares, mestre em Psicologia Clínica da Saúde.
Nos primeiros meses no CD Xico Andebol, a psicóloga fez um trabalho avaliativo de toda a dinâmica do clube, das interações das pessoas, dirigentes, treinadores, e até pais dos miúdos da formação, passando depois ao trabalho de campo. Nos casos de atletas da formação até aos dezasseis anos a atuação incide sobre os treinadores e sobre os pais, “os pilares fundamentais do atleta”, sendo possível melhorar o rendimento através de “fatores como a comunicação, a forma de dar apoio e feedback”.
No caso dos atletas mais velhos, nos quais se incluo o plantel sénior, é feito trabalho de grupo, essencialmente com a equipa técnica, e também individual. “Trabalha-se diretamente com o atleta para perceber os seus níveis de ansiedade, como lida com a pressão do jogo, se lida bem ou não; no fundo para lhes dar estratégias eficazes quando as deles não são as mais adequadas”, esclarece.
“Faço uma compilação detalhada de vários dados, os movimentos e ações que cada atleta tem no jogo”
Os números são também uma área que cada vez mais influenciam, sobretudo, as tomadas de decisão e as análises que são feitas à performance desportiva. O treinador do CR Candoso, Henrique Passos, tem à sua disposição um sem número de dados estatísticos compilados por Pedro Martins, membro da equipa técnica responsável pelo scouting e pela estatística.
“É uma ferramenta imprescindível”, defende, e uma prática que há muito desenvolve no clube, mesmo antes de chegar à 1.ª Divisão Nacional de futsal. “Faço a contabilidade no momento, nos jogos. Depois temos uma plataforma que nos ajuda com vídeo a identificar todos os processos”, explica Pedro Martins. De seguida enumera o tipo de ações que condensa em informação. “É tudo contabilizado: minutos de jogo, remates, passes, desarmes, interseções, cortes, faltas; tudo. Depois, a partir daí, analisamos índices de agressividade, carga de minutos, e toda a informação”, dá nota.
Com esses dados o CR Candoso “vai para os jogos muito mais preparado” e na posse de vários indicadores que ajudam, então, nas tomadas de decisão. Com o relatório detalhado que é feito, quer coletivo quer depois individual, é possível fazer um desempenho segundo os parâmetros que são alvo de análise” conclui Pedro Martins.

“Trabalho para que as decisões do treinador dependam da vertente tática e técnica e não de aspetos físicos”
Terminamos a viagem pelos meandros do desporto com uma vertente que ao longo dos tempos tem andado de mãos dadas com a competição: a preparação física. Se é uma realidade que esta sempre foi uma vertente tida em conta, é factual que é uma área que tem acompanhado a evolução e está cada vez meticulosa. Em Brito, no futebol distrital, João Pedro é o preparador físico da equipa que se sagrou campeã da Série B do Pró Nacional. Num contexto amador não é propriamente fisiologia, mas a metodologia é aproximada.
“Controlo as cargas de treino, a intensidade e toda a atividade física. Coordeno toda a parte física, seja trabalho aeróbico ou anaeróbico, ou de força. Mediante o calendário e os compromissos defino os dias em que se aplicam este tipo de treinos, e fatores como as folgas”, enumera. A sua missão é simples, e descrita em poucas palavras: fazer com que “as decisões do treinador dependam da vertente tática e técnica e não de aspetos físicos”.
O trabalho começa na pré-época com testes de vários parâmetros aos jogadores e prossegue durante a temporada para que os desportistas, neste caso jogadores de futebol, estejam na máxima força, literalmente. “Começou-se a perceber, até pelo exemplo americano, que o talento por si só não é suficiente; um desportista com uma melhor capacidade física aliada ao talento destaca-se com mais notoriedade”, defende.