Amadeu Portilha: “Na Tempo Livre, a retoma será feita em total segurança”
A pista de atletismo, a academia de ginástica, e as piscinas, ainda que limitadas, reabrem a 05 de Abril. Apesar da pandemia, a convicção é a de que a população quer retomar a prática desportiva.

Após o confinamento, a régie cooperativa municipal está pronta para voltar a receber os utentes nas suas instalações. A propagação do novo coronavírus ditou, no último ano, uma quebra de 68% na prática desportiva federada em Guimarães e superior a 70% no país. O presidente do Conselho de Administração da Tempo Livre receia o efeito destes dados no futuro dos clubes. Por outro lado, crê que a pandemia vai impulsionar o reconhecimento social do desporto face à sua relação com a saúde. Mas os índices de atividade física só podem crescer com um plano estratégico a nível nacional, avisa Portilha.
Conhecido o calendário para o desconfinamento do desporto, crê que os atletas federados e também os desportistas informais vão retomar a atividade física, sentindo-se seguros para esse efeito?
No que diz respeito aos atletas federados, não tenho grande conhecimento de causa, até porque a maioria não vai poder regressar já. No dia 05 de abril, o que está permitido é o regresso das modalidades de baixo risco, que são muito poucas: o atletismo e a natação, por exemplo. E também o acesso a ginásios e a piscinas, mas num regime livre e individual. Portanto, o regresso do desporto federado não vai acontecer agora. Deve acontecer a 19 de abril e a 03 de maio, se as condições não se alterarem. Vivemos num tempo em que é prematuro perspetivar o que vai acontecer daqui a 15 dias. Felizmente, os números [da covid-19] permitem um primeiro ensaio de reabertura ou de retoma. Vai acontecer de forma muito condicionada, mas não deixa de ser relevante para as pessoas terem a perceção de que é seguro praticar desporto dentro de uma instalação desportiva. Compete-nos, gestores, dar uma resposta cabal aos utentes e clientes. Na Tempo Livre, a retoma será feita em total segurança e com a garantia de que cumpriremos escrupulosamente as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Sendo assim, as piscinas e a pista de atletismo serão reabertas na segunda-feira?
A pista de atletismo já estava aberta para atletas de competição, mas agora abre para toda a gente. A pista abre normalmente a partir de dia 05. As piscinas reabrem, mas apenas com acesso ao ginásio e ao tanque de água, em regime individual e livre. Ainda não podemos ter as aulas de natação, nem de polo, nem de hidroginástica. Em princípio, só no dia 19, com as modalidades de médio risco, em que estão incluídos o futebol, o andebol, o basquetebol, o voleibol. Aí, sim, já poderemos assistir a uma abertura quase geral das instalações que gerimos.
E a academia de ginástica?
A gestão é feita pelo Guimagym, mas, pelo que sei, também vai abrir no dia 05. Também é uma modalidade de baixo risco. Quanto ao resto dos nossos projetos, como o Vida Feliz, continua tudo parado. Muito provavelmente aulas de grupo só no dia 03 de maio, daqui a um mês. Num mês, acontece muita coisa. Esperemos que seja boa, mas também pode ser má.
“Os treinadores e os dirigentes estão altamente desmotivados. Não havendo formação, não há receitas no clube. Não havendo receitas no clube, o clube não tem futuro”
A Tempo Livre esperava que, em Guimarães, a redução da prática desportiva nas seis mais reconhecidas modalidades coletivas – futebol, basquetebol, andebol, voleibol, futsal e hóquei em patins – fosse de 68% entre 2019/20 e 2020/21, conforme apurou o Centro de Estudos do Desporto de Guimarães?
Sabíamos que o impacto da pandemia no desporto iria ser muito significativo. Durante muito tempo, eu, como a maior parte dos agentes desportivos, pensava que isto [a pandemia de covid-19] iria ser uma coisa temporária e que, mais cedo ou mais tarde, a normalidade seria retomada. E não foi; um ano depois, ainda não vislumbramos solução definitiva para este problema. Portanto, rapidamente nos apercebemos de que os efeitos seriam muito mais negativos do que imaginávamos. Portanto, os números e as evidências estão aí. Os números a nível nacional são terríveis. Estima-se que mais de 200 mil jovens tenham abandonado a prática desportiva no último ano no país. Há clubes que há mais de um ano têm as portas fechadas. É uma espécie de bola de neve: os clubes fecham porque são obrigados, os treinos não são permitidos, os pais têm medo de levar os filhos aos treinos. A prática desportiva não é reatada e o corolário disto tudo só pode resultar no abandono precoce da prática desportiva, que no setor competitivo terá efeitos muito complicados nos anos que se seguem.
Essas quebras estão discriminadas por modalidade? A redução foi ainda mais notória em algumas delas?
Nas modalidades coletivas indoor, de pavilhão, a quebra é muito mais significativa. No estudo que fizemos sobre o impacto da pandemia no sistema desportivo em Guimarães, onde analisámos fundamentalmente as modalidades que têm maior número de praticantes, quer a nível nacional, quer em Guimarães, chegámos à conclusão de que as modalidades de pavilhão tiveram um impacto brutal, com um decréscimo muito próximo dos 80%, em linha com a média nacional, que é de cerca de 87%. No atletismo, um desporto individual de ar livre, até houve um ligeiro aumento do número de praticantes em Guimarães. As pessoas, pelo menos, sentem-se confortáveis na manutenção da prática desportiva quando esta é feita ao ar livre e sem contacto com outras pessoas. Quase todos nós, ao fim de semana e ao final do dia, aproveitamos, porque estamos confinados e estamos cansados de toda esta situação, para ir caminhar ou correr. E essa é a última esperança que eu tenho. Pode ser um sinal de que o grosso dessas pessoas que hoje sente a necessidade de sair à rua para se exercitar possa depois fazê-lo de forma mais regular e consistente. Daqui a algum tempo, isto terá uma repercussão que considero muito positiva para o desporto em Guimarães.
Qual o feedback de treinadores, dirigentes e atletas? Têm recebido testemunhos relativos a impactos físicos e psicológicos nos praticantes? Que exemplos me pode dar?
Da parte dos agentes desportivos ligados ao treino, reina a profunda desmotivação. Sendo praticamente unânime na sociedade portuguesa, junto dos especialistas e das instituições, que a atividade física é importante para se ter uma vida saudável e combater o futuro da doença, não se percebe esta reação negativa ou este impedimento de reabertura de uma prática desportiva. O desporto já provou que, existindo regras, elas são cumpridas. Mesmo nos períodos mais fáceis ou mais abertos do desconfinamento no ano passado, o desporto foi sempre olhado de soslaio. Os treinadores e os dirigentes estão altamente desmotivados. Não havendo formação, não há receitas no clube. Não havendo receitas no clube, o clube não tem futuro. Se isto não melhora muito rapidamente, temo que o descalabro seja muito maior e que muitos clubes sejam mesmo obrigados a fechar as suas portas.
Já há estratégia definida para a recuperação desportiva em Guimarães? Qual o papel da Tempo Livre nesse campo?
A Tempo Livre não define estratégias; aponta caminhos, eventuais soluções para o futuro. Estamos na fase final da elaboração da estratégia municipal para a promoção da atividade física, da saúde e da qualidade de vida. É um projeto que iniciámos há cerca de dois anos, um bocadinho prejudicado por esta situação da pandemia que nos fez parar algumas análises de caso que estávamos a fazer. Estou convencido de que, até ao verão, iremos entregar à câmara esse documento estratégico que resulta da auscultação de todos os agentes desportivos locais e até alguns nacionais. Vamos entregar um documento que permite à câmara definir uma política de promoção de desenvolvimento desportivo para os próximos anos. A Tempo Livre também procura garantir que as instalações desportivas, quando abrirem, abrem com todas as condições de segurança, de higienização, de limpeza; os nossos funcionários vão ser testados regularmente a partir da retoma. As pessoas têm de ter a perceção muito clara de que é seguro participar e fruir dessa instalação desportiva.
“Temos de gizar uma estratégia que ponha as escolas, os clubes e as autarquias em plena comunhão de interesses. Isto exige um plano que não existe”
Crê num regresso à normalidade de antes ou o futuro do desporto vai necessariamente incorporar as marcas deixadas por este tempo?
Eu tenho essa profunda esperança. Tenho algum otimismo de que, num cenário de retoma, o desporto e a atividade física poderão ser fundamentais. Sabemos que a maior parte dos doentes internados com covid-19 nos cuidados intensivos ou são obesos ou têm as doenças do sedentarismo, como as cardiovasculares ou as cancerígenas. Ou seja, doenças provocadas por uma vida que não é saudável. Se as pessoas interiorizarem que uma prática desportiva regular, desde a prática desportiva formal competitiva até à simples caminhada ou o passeio de BTT, faz bem à saúde, à sua autoestima e protege-a, no futuro, de novas pandemias que possam surgir, o desporto pode ser dos setores que mais rapidamente vai desconfinar.
A Tempo Livre estimulou precisamente a reflexão sobre o futuro do desporto num ciclo de debates que recebeu vários agentes desportivos, incluindo o secretário de Estado João Paulo Rebelo. Que ideias aí discutidas realça?
Foi uma reflexão muito interessante, muito positiva. Nota-se que há um otimismo latente nas suas palavras desde que aprendamos com os erros e possamos, no pós-pandemia, dar resposta às questões para as quais não temos resposta. Por exemplo, combater de uma vez por todas o excesso de sedentarismo em Portugal. Somos dos países com pior índice de prática desportiva na Europa. Temos de chamar cada vez mais gente para uma atividade física e desportiva regular. Urge também que escolas, autarquias e clubes - este triângulo virtuoso - se entendam e se possa gizar o plano estratégico que permita otimizar as potencialidades de cada uma. Temos de continuar a valorizar socialmente o papel do desporto e da atividade física. O resto tem a ver com os apoios. Vamos ver como os 65 milhões de euros serão distribuídos pelos clubes.
O Governo assumiu a meta de tornar Portugal um dos 15 países fisicamente mais ativos da União Europeia até 2030. Acha isso possível?
Acho isso desejável. Possível não sei. Não deixa de ser positivo que, pela primeira vez, tenhamos definido uma meta, coisa que Portugal nunca teve. Se há uma meta definida, quero acreditar que a tutela e os agentes desportivos hão de estar irmanados neste propósito. Mas é uma meta muito ambiciosa, que exige políticas públicas proativas na área do desporto. O desporto escolar tem de ter uma atenção muito grande. Temos de repensar todo o processo das atividades de enriquecimento curricular. As AEC já não respondem ao interesse da escola e ao interesse do aluno. Temos de gizar uma estratégia que ponha as escolas, os clubes e as autarquias em plena comunhão de interesses. Isto exige um plano que não existe. Temos uma meta, temos alguns apoios financeiros, mas falta um plano estratégico que possa ser plasmado em estratégias municipais. Ter metas ambiciosas sem plano estratégico para chegar lá pode ser meio caminho andado para o insucesso. Guimarães já está a trabalhar nesse plano.